Sincero, aberto e com muita clareza sobre o que fez deixar o ano de 2014 quase sem jogos para trás e virar titular do Grêmio. Matías Rodríguez, o novo dono da lateral gremista, retornou às origens para que pudesse preencher os requisitos de Felipão. Na versão 2015, o argentino se reinventou e buscou em antigas atuações com a camisa do Nacional e do Boca Juniors a inspiração para dar a volta por cima e finalmente render o esperado no Tricolor. Mas não como um quase meia, com gols e cruzamentos precisos. Não que esteja impedido de exercer sua impetuosa subida. Mas, hoje, o pensamento é marcar.
Nos tempos de Boca, segundo Matías, ninguém caía pelo seu setor. Sabiam que enfrentariam um defensor ávido pela bola, que por vezes encontrava alguns tornozelos no caminho. Não havia vida fácil pelo lado direito de defesa da equipe ouro e azul.
- Ninguém queria vir pelo meu setor no Boca porque eu pegava em todos. Eu pensava: “Eu marcava. Por que não faço agora?”. Olho vídeos de como fazia, para ver que posso fazer, isso ou aquilo - revelou o gringo.
A chance foi agarrada com êxito no Gre-Nal. O próprio jogador, em conversa franca com o GloboEsporte.com no CT Luiz Carvalho, admite que sabia que aquela poderia ser, talvez, sua última oportunidade de mostrar serviço com a camisa gremista. Desde então, conseguiu encaixar quatro jogos como titular - contra Ypiranga, Cruzeiro-RS, Lajeadense e Novo Hamburgo -, sua principal sequência desde que chegou ao clube, em maio de 2014.
Com a família em Porto Alegre, os filhos em colégio e adaptado, a ideia é permanecer por mais tempo. Quer a renovação de contrato e promete contato com os italianos para tentar ajudar na negociação - o Grêmio já tem valor de compra estipulado no contrato de empréstimo da Sampdoria, que vai até junho deste ano. A permanência passa pela esposa Lucía Colacilli e os filhos Juan Martin e Felicitas. Eles vivem tranquilos na capital gaúcha. Mais à vontade na cidade, Matías já arrisca o português, embora prefira se manifestar em espanhol, para evitar mal-entendidos.
- Obviamente queria chegar e jogar direto. Mas passou. Chegou o Felipão e com dois jogos me pôs. Mas não estava preparado, não estava em condições. E por isso falamos de novo da adaptação. Depois de seis meses, me senti adaptado, fiz a pré-temporada e me senti bem. Esperava a possibilidade - contou.
A série como titular só foi interrompida por conta justamente dessa nova determinação de Matías, de entrar “a morrer” em todas as partidas. Em lance contra o Novo Hamburgo, dividiu na meia direita de ataque. O rival subiu as traves da chuteira na altura do seu joelho direito. Um rasgo se abriu imediatamente. Quatro pontos, e uma partida como desfalque, depois, o argentino está novamente pronto para atuar na estreia na Copa do Brasil, contra o Campinense, na Paraíba. A distância de 800km dos pais, durante a adolescência no Boca Juniors, é combustível para hoje buscar atuações melhores.
> Confira a entrevista exclusiva
Matías Rodríguez fala sobre momento no Grêmio (Foto: Eduardo Moura/Globoesporte.com)
GloboEsporte.com: Os quatro jogos foram sua maior sequência como titular no clube em jogos oficiais. Como encara esse bom momento em 2015?
Matías Rodríguez: Me levou um tempo de adaptação, creio que ano passado vinha também de uma situação similar, que não vinha jogando. Me custou o tempo para me adaptar e começar um 2015 com outra expectativa, outra gana. Obviamente queria fazer as coisas bem. O importante foi o mental, que nunca baixei os braços, mesmo sem jogar. Quando não joga, sempre fica com a cabeça pensando “Por quê?”. Mas aí está a maturidade que se ganha com os anos de experiência. Não se pode baixar os braços. Em qualquer momento tem oportunidade, tem que demonstrar e não ter desculpas.
O ano passado te frustrou? Chegou ao Grêmio com a expectativa de jogar?
Tudo ajuda, obviamente queria chegar e jogar direto. Mas passou, chegou Felipão e com dois jogos me colocou. Mas não estava preparado, não estava em condições. E por isso falamos de novo da adaptação. Depois de seis meses, me senti adaptado, fiz a pré-temporada e me senti bem. Esperava a possibilidade. Não comecei jogando, lamentavelmente. E depois do Gre-Nal, creio que marcou muito o que aconteceu depois. Foi quando ganhei a confiança dos companheiros e do corpo técnico, que era importante.
Tinhas ideia de que o Gre-Nal seria o teu jogo?
Sim. Já treinava para jogar quando tivesse a chance. Quando tive a possibilidade no Gre-Nal, sabia que era a minha possibilidade, não sei se a última, mas era uma possibilidade importante. Joguei como se fosse o último. E venho fazendo isso. Cada partida que eu jogo é a última e jogo à morte.
Agora temos a versão 2015 do Matías. Que transformação foi essa? Passou por uma volta às origens?
Sabia que fazendo o que fiz em Chile, não estava funcionando. Deixava sempre espaços atrás e por aí. Depois, tem que saber, ser consciente que esse não é o caminho. Voltar ao trabalho da luta e do trabalho que tive na carreira. Também joguei no Nacional, do Uruguai, onde se marca muito. Precisei recordar esse velho tempo, olhar vídeos de quando jogava, quando não era tão ofensivo, que ficava atrás. Me ajudou. Passei a fazer no treinamento e começou a sair bem.
Dá para dizer então sem errar que o Matías se reinventou?
Sim, como disse faz alguns dias. Ninguém queria vir pelo meu setor no Boca porque batia em todos. Eu pensava: “eu marcava. Por que não fazer agora?”. Olhei vídeos de como fazia, para ver que posso fazer isso ou aquilo.
Teve alguma conversa individual do Felipão contigo para te dar confiança?
Creio que a pessoa se dá conta quando o treinador já o vê diferente. Não diferente no sentido que é melhor, mas que se ganhou pelo menos uma confiança de poder jogar de visitante. Não jogava de visitante, só em casa. No treinamento eu via. Me dava conta. Depois daquela partida que marcou para todos, que foi a que ganhei a confiança. Não só do Felipão, da comissão e da diretoria. Aproximaram-se e falaram comigo.
Matías Rodríguez durante treino do Grêmio (Foto: Eduardo Moura/GloboEsporte.com)
Então teve também uma conversa com a diretoria...
Foi ainda em dezembro, falei com o treinador, inclusive, disse que queria ficar para lutar. E aqui estou, fazendo como sempre fiz.
A chegada dos outros gringos também ajudou na adaptação? Criou-se a família Rodríguez!
Todo jogador estrangeiro, em qualquer lugar do mundo, quando se fala tua língua, vai se aproximar e ajudar. E se tem uma boa relação. O grupo está bem, se vê nos treinamentos, todos alegres e concentrados. É o que nos mantém bem unidos e bem como grupo. Isso sempre faz a diferença
A sequência de vitórias dá confiança em um momento importante, antes dos jogos decisivos. Como vê esse bom momento antes da Copa do Brasil?
Não tem que se esquecer de como começamos o torneio que estamos jogando. Não podemos voltar a esse lugar. Sempre temos que somar ou fazer em um nível maior. É o que jogamos a cada jogo, com a mesma seriedade, estamos mostrando nas partidas. É o que tratamos de fazer. É a confiança do grupo, que todos se sentem cômodos. E a competição que temos interna, sadia e boa. Não se pode relaxar se tem outro que vai fazer o mesmo ou melhor.
E a Copa do Brasil? Se fala na necessidade de um título, seja do Gauchão ou Copa do Brasil...
Há necessidade de ganhar algum torneio. Seja Copa do Brasil, Gauchão, Brasileiro. Qualquer copa que exista, obviamente com essa camiseta, temos que ganhar ou fazer o melhor possível para chegar mais longe. Estamos com muita vontade e todos estamos com essa confiança, de que faltam poucas partidas. É curto, e estamos focados em ganhar uma taça.
E a tua história no futebol, como foram teus primeiros passos na Argentina?
Iniciei aos seis ou sete anos, em uma equipe da minha cidade (San Luís, na Argentina). Aos 13 anos, houve uma prova de jogadores do Boca, e o Boca me levou para Buenos Aires. Dos 13 aos 21, fiquei no Boca. Joguei em alguns lugares por empréstimo... Chega um momento que você quer jogar. Quer fazer as coisas por si só, não ficar sentado esperando que as coisas cheguem. Foi quando joguei a Série B da Argentina (no Juventud Antonia, de Salta), joguei no Equador (no Barcelona), e aos 21 acabou meu contrato. Aí estive na Áustria e fui para o Nacional. Aí comecei a jogar e fui para a La U.
Morou onde em Buenos Aires?
Era uma pensão que tinha no Boca. Ainda existe. Éramos 80 jovens do interior da Argentina, todos lutávamos pelo mesmo sonho. Nos ajudávamos. Tínhamos que fazer colégio, também, que era obrigatório. Tenho muitas memórias, tenho companheiros que falo até hoje. Foi muito duro, aos 13 anos, ficar sozinho.
Ficou sem a família, também...
Minha cidade está a 800km de Buenos Aires. Meus pais me deixaram e tiveram que voltar ao trabalho. Foi muito duro, tanto para mim quanto para eles. Acho que mais difícil para eles. Para um pai, deixar um filho… Hoje que sou pai, não deixaria meu filho com 13 anos, nem se estivesse louco.
E via teus pais quantas vezes?
Viajava seguido. Jogávamos por um dia e viajava. Gastava muitas viagens para ficar menos de um dia com eles, e voltava para Buenos Aires. Depois, conheci a minha senhora, aos 14 anos, e cada vez viajava menos, porque ficava com ela.
E na Itália, o que ocorreu que não conseguiu uma sequência?
Creio que passou o mesmo que aqui. Eu era um lateral que gostava de sair. E lá são mais táticos, inclusive que aqui no Brasil. Terminou que não gostaram, suponho. Que o jogo que eu fazia não era para o futebol italiano. No tema da marcação, nunca marcava. Não marcava, só queria jogar. E acho que isso não contou a favor. São coisas que passam.
Já falou que pretende permanecer em Porto Alegre. Como está a renovação?
É uma decisão não só minha, mas da minha família. Meus filhos estão no colégio, não é uma decisão tão fácil. Hoje em dia tem que contar com a aprovação de todos. Da minha esposa, que muitos dias fica sozinha com eles. Estamos perto da Argentina, em uma hora. Obviamente gosto muito daqui, é muito parecido. De minha parte é isso.
E pretende falar com os italianos?
Sim, tenho que armar, fazer bem. Vamos ver o que acontece.
Pela tua história, teve um papo de ir para o Boca ano passado? O que ocorreu?
Foi em dezembro que as pessoas do Boca falaram com meu representante. Fizeram uma proposta para eu ir. Comuniquei a quem deveria, mas me disseram que deram a resposta que não, que ficaria. Então, foi só isso. Estou emprestado da Itália para cá, não poderia fazer mais que perguntar. No final, saiu bem. Mas nunca se sabe o que vai acontecer.
Qual é o 2015 ideal do Matías no Tricolor?
O importante é tratar de seguir fazendo o que estou fazendo até agora, treinar bem e nas partidas tratar de marcar e depois jogar. Agora, penso mais em marcar que em jogar. E, obviamente, que termine o empréstimo ganhando um campeonato. Depois, vamos ver… Importante é levantar uma taça com o Grêmio.
Para fechar: e a Família Rodríguez? Estão sempre juntos aí... como vai?
Muito bem, inclusive compartilhamos a recuperação estes dias. Não só com eles, com todos há uma boa relação. Mas como somos estrangeiros e somos Rodríguez, há uma aproximação especial.
Matías recebe atenção de Felipão no treino desta segunda (Foto: Eduardo Moura/GloboEsporte.com)
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