"Ainda tem gente que acha que time é tudo igual", diz legenda da montagem que circula
"Sempre como se fosse a primeira vez." É assim que Edna Matos, 53 anos, torcedora do Bahia, descreve a sensação de sentir o racismo. "Raiva, impotência, desânimo e frustração." Sentimentos que lhe atravessaram novamente no fim de semana passado, após uma fotomontagem com torcedoras gremistas viralizar em grupos do WhatsApp, motivando um desabafo nas redes sociais.
Acima, Edna e sua filha, Dandara Matos, torcedoras do Bahia, mulheres negras; abaixo, cinco torcedoras do Grêmio, todas brancas. A imagem é acompanhada da legenda: "Ainda tem gente que acha que time é tudo igual".
Edna ficou chocada quando viu a imagem pela primeira vez, na sexta-feira passada (25), mas depois sentiu a necessidade de denunciar o racismo pelo Facebook, no domingo (27). "Não é piada, é crime", diz em entrevista ao UOL Esporte.
"Levei tempo para processar, mas pela minha própria postura de militância não só pela causa do negro, mas de todas as minorias, das mulheres, dos LGBT's, eu não ficaria calada de maneira nenhuma", conta.
Na mensagem veiculada na rede social, Edna procurou se ater apenas à imagem que estava sendo viralizada no mais popular aplicativo de mensagem do Brasil, mas sabia a dimensão racial que estava por trás da montagem.
"Não quis fazer nenhum texto sobre o racismo, as mazelas do racismo, preferi falar daquela imagem, de um momento meu e de minha filha no estádio, e comparar as torcidas, já que era disso que eles estavam falando. Eu me ative ao tema, à legenda da postagem , para mostrar sim que tem torcidas diferentes, infelizmente a gente tem visto que há torcedores do Grêmio que têm dado exemplos tristes para o futebol", diz, lembrando o episódio do goleiro Aranha, alvo de preconceito racial na Arena do Grêmio - vale lembrar que, em seu retorno ao estádio gaúcho neste ano, diversos torcedores gremistas levaram mensagem contra o racismo, em apoio ao jogador.
Para ela, a tese de que existe democracia racial no Brasil serve como estratégia para maquiar a realidade no país. O que é visto por muitas pessoas como piada, diz Edna, é crime.
"Não existe democracia racial, isso é uma lenda, uma forma de camuflar. Tem gente que insiste que não é racismo, é 'mimimi', que é apenas uma questão de uma ser mais bonita que a outra. Em nenhum momento a gente deve ver aquilo como uma questão de beleza apenas, não é porque eles disseram que as loiras torcedores do Grêmio são mais bonitas que eu e minha filha, não se trata disso. Aí está implícito um juízo de valor de etnia, no caso da raça negra, e de regionalismo, do nordestino", avalia.
"Você vê claramente que há uma discriminação não só à raça negra, mas também aos nordestinos. Eles poderiam ter comparado com outro time do Sul ou do Sudeste, mas compararam negras de um time do Nordeste com loiras de um time de Sul. Essa coisa que 'não é racismo, é piada'... Isso não existe, racismo não é piada, racismo é crime."
Racismo e injúria racial, inclusive por atos praticados na internet, são crimes previstos na Lei 7.716 de 1989 e no artigo 40 do Código Penal. As penas previstas são de até 5 anos de reclusão.
Preconceito no futebol e na vida
Foi a primeira vez que Edna sofreu preconceito racial no futebol. Ao longo da vida, porém, as experiências se acumulam. Jornalista de formação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), ela narra que convive com olhares de desconfiança por causa da cor de sua pele no cotidiano.
"No futebol foi a primeira vez [que sofri racismo]. Eu frequento muito estádio, mas sou torcedora de um único time, do Bahia, então só costumo ir ao estádio se for para torcer pelo Bahia, e na torcida do Bahia isso não acontece. Mas na vida isso é uma constante, os negros que se colocam em posição de destaque sofrem racismo, seja de forma clara ou velada. Eu, por exemplo, assumo a direção de uma instituição federal, de um campus de um Instituto Federal no interior da Bahia, em Santo Antônio de Jesus, e eu vejo muitas pessoas que, quando me apresento como diretora, olham estranho para mim. Na cabeça de muitas pessoas aquela não é uma posição para que eu, uma negra, esteja lá."
Oportunidade de debate
Embora tenha se sentido mal e ficado chateada com a montagem que circulou no WhatsApp, Edna enxerga a oportunidade de utilizar o caso como um gancho para se continuar debatendo o racismo no Brasil. Para tanto, em sua opinião, o futebol é um instrumento poderoso.
"Esse caso é importante porque mais uma vez traz à baila a discussão do racismo no futebol, nas torcidas, a forma como as torcidas tratam os seus diferentes, tanto torcedores como jogadores negros. E mais uma vez traz uma coisa que a gente está vendo no Brasil hoje, infelizmente, que é essa divisão entre sulistas e sudestinos e nordestinos e nortistas, que é algo muito triste, mas que não é novo e está sendo apenas mais visibilizado agora", acredita.
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Acima, Edna e sua filha, Dandara Matos, torcedoras do Bahia, mulheres negras; abaixo, cinco torcedoras do Grêmio, todas brancas. A imagem é acompanhada da legenda: "Ainda tem gente que acha que time é tudo igual".
Edna ficou chocada quando viu a imagem pela primeira vez, na sexta-feira passada (25), mas depois sentiu a necessidade de denunciar o racismo pelo Facebook, no domingo (27). "Não é piada, é crime", diz em entrevista ao UOL Esporte.
"Levei tempo para processar, mas pela minha própria postura de militância não só pela causa do negro, mas de todas as minorias, das mulheres, dos LGBT's, eu não ficaria calada de maneira nenhuma", conta.
Na mensagem veiculada na rede social, Edna procurou se ater apenas à imagem que estava sendo viralizada no mais popular aplicativo de mensagem do Brasil, mas sabia a dimensão racial que estava por trás da montagem.
"Não quis fazer nenhum texto sobre o racismo, as mazelas do racismo, preferi falar daquela imagem, de um momento meu e de minha filha no estádio, e comparar as torcidas, já que era disso que eles estavam falando. Eu me ative ao tema, à legenda da postagem , para mostrar sim que tem torcidas diferentes, infelizmente a gente tem visto que há torcedores do Grêmio que têm dado exemplos tristes para o futebol", diz, lembrando o episódio do goleiro Aranha, alvo de preconceito racial na Arena do Grêmio - vale lembrar que, em seu retorno ao estádio gaúcho neste ano, diversos torcedores gremistas levaram mensagem contra o racismo, em apoio ao jogador.
Para ela, a tese de que existe democracia racial no Brasil serve como estratégia para maquiar a realidade no país. O que é visto por muitas pessoas como piada, diz Edna, é crime.
"Não existe democracia racial, isso é uma lenda, uma forma de camuflar. Tem gente que insiste que não é racismo, é 'mimimi', que é apenas uma questão de uma ser mais bonita que a outra. Em nenhum momento a gente deve ver aquilo como uma questão de beleza apenas, não é porque eles disseram que as loiras torcedores do Grêmio são mais bonitas que eu e minha filha, não se trata disso. Aí está implícito um juízo de valor de etnia, no caso da raça negra, e de regionalismo, do nordestino", avalia.
"Você vê claramente que há uma discriminação não só à raça negra, mas também aos nordestinos. Eles poderiam ter comparado com outro time do Sul ou do Sudeste, mas compararam negras de um time do Nordeste com loiras de um time de Sul. Essa coisa que 'não é racismo, é piada'... Isso não existe, racismo não é piada, racismo é crime."
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Foi a primeira vez que Edna sofreu preconceito racial no futebol. Ao longo da vida, porém, as experiências se acumulam. Jornalista de formação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), ela narra que convive com olhares de desconfiança por causa da cor de sua pele no cotidiano.
"No futebol foi a primeira vez [que sofri racismo]. Eu frequento muito estádio, mas sou torcedora de um único time, do Bahia, então só costumo ir ao estádio se for para torcer pelo Bahia, e na torcida do Bahia isso não acontece. Mas na vida isso é uma constante, os negros que se colocam em posição de destaque sofrem racismo, seja de forma clara ou velada. Eu, por exemplo, assumo a direção de uma instituição federal, de um campus de um Instituto Federal no interior da Bahia, em Santo Antônio de Jesus, e eu vejo muitas pessoas que, quando me apresento como diretora, olham estranho para mim. Na cabeça de muitas pessoas aquela não é uma posição para que eu, uma negra, esteja lá."
Oportunidade de debate
Embora tenha se sentido mal e ficado chateada com a montagem que circulou no WhatsApp, Edna enxerga a oportunidade de utilizar o caso como um gancho para se continuar debatendo o racismo no Brasil. Para tanto, em sua opinião, o futebol é um instrumento poderoso.
"Esse caso é importante porque mais uma vez traz à baila a discussão do racismo no futebol, nas torcidas, a forma como as torcidas tratam os seus diferentes, tanto torcedores como jogadores negros. E mais uma vez traz uma coisa que a gente está vendo no Brasil hoje, infelizmente, que é essa divisão entre sulistas e sudestinos e nordestinos e nortistas, que é algo muito triste, mas que não é novo e está sendo apenas mais visibilizado agora", acredita.
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