Aílton vibra com o gol na final do Brasileirão de 1996 (Foto: Agência Estado)
Esperança, confiança, tensão. O anoitecer no Olímpico transformou a atmosfera de euforia naquela tarde de sol de 15 de dezembro em minutos de aflição. O cair da noite servia de alerta aos jogadores: falta pouco. Ainda no intervalo, o placar eletrônico convergia todos esses sentimentos em um só pedido, uníssono entre os mais de 50 mil gremistas presentes: "Jogador, só falta um gol. Depende de ti". Bastava um tento para o Grêmio devolver o 2 a 0 da ida, contra a Portuguesa, e erguer o bi do Brasileiro em 1996. Só um golzinho, que teimava em escapar. Até Dinho surpreender Felipão com um pedido:
– Me tira e bota o Aílton – bradou, à beira do campo.
Atônito, Scolari recebeu o pedido com choque. Observou seu volante, homem de confiança plena, voltar ao meio do campo, matutou e viu o relógio beirar os 30 minutos do segundo tempo. Era preciso agir. Era preciso ousar, a ponto de sacar um marcador ferrenho para lançar um atacante desacreditado, alvo de críticas e até de vaias da torcida. O treinador o fez. E não se arrependeu.
Aílton pisou o gramado a 15 minutos do final da partida. Encontrou uma equipe que penava e martelava, sem sorte. Claro, esperava-se sofrimento naquela tarde, mas também exalava-se convicção, expressa por Danrlei ainda após a derrota por 2 a 0 no jogo de ida, no Morumbi. No calor do momento, diante de uma atuação catastrófica, o placar soou barato, e o goleiro sentenciou:
– Eu vou falar qui uma vez para vocês. O Grêmio é campeão brasileiro. A Portuguesa perdeu a chance. O Grêmio vai reverter fácil.
O gol cedo, do artilheiro Paulo Nunes, soou como um prenúncio de uma tarde tranquila que não se confirmou. Mas Aílton entrou em campo respaldado pela confiança de quem se considerava um amuleto. O atacante pensava: "Sei que dou sorte em finais". E carregava duas premonições especiais. Dias antes da partida, Verinha, funcionária da presidência, e o zagueiro Wagner haviam lhe procurado para dizer: você vai fazer o gol do título.
Parecia até que a bola tinha ouvido os pedidos dos amigos. O próprio Aílton garante: ela teimava em respingar em seus pés. E como. Aos 39, Carlos Miguel, num ato de desespero, pouco costumeiro a sua envolvente perna esquerda, mandou um lançamento quase da risca do meio-campo. Quase um chutão, em busca do centroavante Zé Afonso, mas o zagueirão César subiu mais para afastar de cabeça. E para afastar mal.
A bola respingou dentro da área. Endiabrado, Aílton, fôlego renovado, avançou com gana e emendou de primeira, sem tempo sequer de pensar. Sem dar tempo a Clemer de reagir. O chutaço à queima roupa estufou as redes e flamejou ainda mais os brios do herói do título. Aílton saiu numa corrida inabalada, enfurecida e eufórica. Tinha um objetivo em mente materializado: descer o fosso do Olímpico e ir embora.
O Diabo Loiro Paulo Nunes o abraçou – ou ao menos tentou – num gesto que o demoveu da ideia ainda em campo. Mas Aílton era Imparável, puro desabafo. Aos gritos, batia no peito, apontava para si próprio e para a torcida. Pedia palmas. Puxava a camisa do Grêmio e indicava o distintivo. Materializava todo o emblema do gol e da conquista em duas frases bem curtas, emoção pura:
– Eu sou f***. Bate palma pra mim – gritava.
E os gremistas, 20 anos mais tarde, ainda o atendem. Aplaudem, vibram e pedem perdão, com certo saudosismo. Agradecem pelo bicampeonato do Brasileirão. Agradecem por tudo.
> O gol e o bi, nas palavras dos protagonistas:
DINHO
Eu ficava com raiva, porque ele tinha condições de jogar bem. O torcedor não entendia, xingava, vaiava ele. Eu falei para o Felipão para botar o Aílton, porque eu queria mostrar para o torcedor e para o próprio Aílton que ele era injustiçado. O Felipão olhou para mim, se assustou que eu pedi para sair. Eu nunca pedi para sair de jogo nenhum. Foi só nesse. E pedi para botar meu irmão. Ele entrou e fez o gol. Não tem explicação. Quando ele fez o gol, não sabia se corria, se chorava. Quando ele bate no peito e diz que 'sou o cara', eu lembro de todos os momentos".
CARLOS MIGUEL
Eu estava com a perna meio pesada. Era o excesso de jogos. E estava um calor tremendo no dia da final. Era nítido no semblante o cansaço. Com a entrada do Aílton, eu passo para ser segundo volante. O Felipão me fala: 'Vamos tentar algo dentro da área'. Eu respondi: 'O senhor é quem manda'. É incrível. Eu pego a bola, vejo o Zé dentro da área. Eu nunca fui jogador de dar lançamento longo, mas era uma situação suicida. Se o César tira a cabeça, a bola ia para fora, aí o Aílton pega de pé esquerdo. Tinha que ser. O grupo é iluminado. Foi o título da superação".
AÍLTON
O Dinho mudou nossa história. Mostrou o caráter coletivo. Não pensou nele. Qualquer um pensaria em ficar até o final. O Dinho fez o gol da Libertadores de pênalti. Ele pensou no grupo, na família, em todos quando tomou a atitude. Eu vou falar a verdade. Falei: 'Se fizer o gol, vou descer o fosso e ir embora'. Sou ser humano. O Paulo Nunes me agarra e muda tudo. Quando me soltou, eu falei: 'Sou f***. Bate palma pra mim'. Até o governador da época falou que a comemoração foi linda. Futebol é muito gostoso, porque tem muita história".
PAULO NUNES
O nosso time não desistia. Era uma coisa do grupo, mesmo. A gente se cobrava no vestiário, brigava e depois estava tomando um chope ali fora. O Felipão comentou que ia trazer o Aílton. Disse para ele que não ia se arrepender. Teve seus problemas no Grêmio, mas era um cara de grupo. Aquele gol foi importantíssimo para ele. Eu vivi a angústia dele. Quando vi que foi ele, queria segurar porque ele ia se transbordar, ia fazer uma besteira!"
DANRLEI
Foi um dos títulos que eu mais comemorei, se não o que mais comemorei. O Aílton mostra que extravasa, foi um dos atletas mais injustiçados no Grêmio pela torcida, ele não veio para fazer gol. Veio para ser meia. Mas o Aílton, a importância não só como atleta, como pessoa era muito grande. Os jogadores sentiram muito. Foi muito importante. Era mais uma vez nós contra o Brasil. A Portuguesa era a queridinha. Para variar, a gente acabou calando o país. Mais uma vez, o Grêmio fazendo suas façanhas pelo Brasil".
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– Me tira e bota o Aílton – bradou, à beira do campo.
Atônito, Scolari recebeu o pedido com choque. Observou seu volante, homem de confiança plena, voltar ao meio do campo, matutou e viu o relógio beirar os 30 minutos do segundo tempo. Era preciso agir. Era preciso ousar, a ponto de sacar um marcador ferrenho para lançar um atacante desacreditado, alvo de críticas e até de vaias da torcida. O treinador o fez. E não se arrependeu.
Aílton pisou o gramado a 15 minutos do final da partida. Encontrou uma equipe que penava e martelava, sem sorte. Claro, esperava-se sofrimento naquela tarde, mas também exalava-se convicção, expressa por Danrlei ainda após a derrota por 2 a 0 no jogo de ida, no Morumbi. No calor do momento, diante de uma atuação catastrófica, o placar soou barato, e o goleiro sentenciou:
– Eu vou falar qui uma vez para vocês. O Grêmio é campeão brasileiro. A Portuguesa perdeu a chance. O Grêmio vai reverter fácil.
O gol cedo, do artilheiro Paulo Nunes, soou como um prenúncio de uma tarde tranquila que não se confirmou. Mas Aílton entrou em campo respaldado pela confiança de quem se considerava um amuleto. O atacante pensava: "Sei que dou sorte em finais". E carregava duas premonições especiais. Dias antes da partida, Verinha, funcionária da presidência, e o zagueiro Wagner haviam lhe procurado para dizer: você vai fazer o gol do título.
Parecia até que a bola tinha ouvido os pedidos dos amigos. O próprio Aílton garante: ela teimava em respingar em seus pés. E como. Aos 39, Carlos Miguel, num ato de desespero, pouco costumeiro a sua envolvente perna esquerda, mandou um lançamento quase da risca do meio-campo. Quase um chutão, em busca do centroavante Zé Afonso, mas o zagueirão César subiu mais para afastar de cabeça. E para afastar mal.
A bola respingou dentro da área. Endiabrado, Aílton, fôlego renovado, avançou com gana e emendou de primeira, sem tempo sequer de pensar. Sem dar tempo a Clemer de reagir. O chutaço à queima roupa estufou as redes e flamejou ainda mais os brios do herói do título. Aílton saiu numa corrida inabalada, enfurecida e eufórica. Tinha um objetivo em mente materializado: descer o fosso do Olímpico e ir embora.
O Diabo Loiro Paulo Nunes o abraçou – ou ao menos tentou – num gesto que o demoveu da ideia ainda em campo. Mas Aílton era Imparável, puro desabafo. Aos gritos, batia no peito, apontava para si próprio e para a torcida. Pedia palmas. Puxava a camisa do Grêmio e indicava o distintivo. Materializava todo o emblema do gol e da conquista em duas frases bem curtas, emoção pura:
– Eu sou f***. Bate palma pra mim – gritava.
E os gremistas, 20 anos mais tarde, ainda o atendem. Aplaudem, vibram e pedem perdão, com certo saudosismo. Agradecem pelo bicampeonato do Brasileirão. Agradecem por tudo.
> O gol e o bi, nas palavras dos protagonistas:
DINHO
Eu ficava com raiva, porque ele tinha condições de jogar bem. O torcedor não entendia, xingava, vaiava ele. Eu falei para o Felipão para botar o Aílton, porque eu queria mostrar para o torcedor e para o próprio Aílton que ele era injustiçado. O Felipão olhou para mim, se assustou que eu pedi para sair. Eu nunca pedi para sair de jogo nenhum. Foi só nesse. E pedi para botar meu irmão. Ele entrou e fez o gol. Não tem explicação. Quando ele fez o gol, não sabia se corria, se chorava. Quando ele bate no peito e diz que 'sou o cara', eu lembro de todos os momentos".
CARLOS MIGUEL
Eu estava com a perna meio pesada. Era o excesso de jogos. E estava um calor tremendo no dia da final. Era nítido no semblante o cansaço. Com a entrada do Aílton, eu passo para ser segundo volante. O Felipão me fala: 'Vamos tentar algo dentro da área'. Eu respondi: 'O senhor é quem manda'. É incrível. Eu pego a bola, vejo o Zé dentro da área. Eu nunca fui jogador de dar lançamento longo, mas era uma situação suicida. Se o César tira a cabeça, a bola ia para fora, aí o Aílton pega de pé esquerdo. Tinha que ser. O grupo é iluminado. Foi o título da superação".
AÍLTON
O Dinho mudou nossa história. Mostrou o caráter coletivo. Não pensou nele. Qualquer um pensaria em ficar até o final. O Dinho fez o gol da Libertadores de pênalti. Ele pensou no grupo, na família, em todos quando tomou a atitude. Eu vou falar a verdade. Falei: 'Se fizer o gol, vou descer o fosso e ir embora'. Sou ser humano. O Paulo Nunes me agarra e muda tudo. Quando me soltou, eu falei: 'Sou f***. Bate palma pra mim'. Até o governador da época falou que a comemoração foi linda. Futebol é muito gostoso, porque tem muita história".
PAULO NUNES
O nosso time não desistia. Era uma coisa do grupo, mesmo. A gente se cobrava no vestiário, brigava e depois estava tomando um chope ali fora. O Felipão comentou que ia trazer o Aílton. Disse para ele que não ia se arrepender. Teve seus problemas no Grêmio, mas era um cara de grupo. Aquele gol foi importantíssimo para ele. Eu vivi a angústia dele. Quando vi que foi ele, queria segurar porque ele ia se transbordar, ia fazer uma besteira!"
DANRLEI
Foi um dos títulos que eu mais comemorei, se não o que mais comemorei. O Aílton mostra que extravasa, foi um dos atletas mais injustiçados no Grêmio pela torcida, ele não veio para fazer gol. Veio para ser meia. Mas o Aílton, a importância não só como atleta, como pessoa era muito grande. Os jogadores sentiram muito. Foi muito importante. Era mais uma vez nós contra o Brasil. A Portuguesa era a queridinha. Para variar, a gente acabou calando o país. Mais uma vez, o Grêmio fazendo suas façanhas pelo Brasil".
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