Soco, voadora, sangue e 20 expulsos: o inesquecível 1º Gre-Nal do Beira-Rio

Às vésperas do primeiro clássico do estádio reformado, GloboEsporte.com relembra o embate inicial no Gigante, em 20 abril de 1969, que terminou com briga histórica


Fonte: Globo Esporte

Soco, voadora, sangue e 20 expulsos: o inesquecível 1º Gre-Nal do Beira-Rio
Primeiro Gre-Nal no Beira-Rio terminou em uma briga generalizada entre os jogadores (Foto: Agência RBS)

A água caía quente sobre a cabeça black power de Valdomiro. Há minutos atrás, havia sido substituído do Gre-Nal 189, válido pelo quadrangular amistoso de inauguração do estádio Beira-Rio, que ainda tinha recebido a seleção húngara e o Benfica, de Eusébio. O 0 a 0 amarrado, duro e tenso parecia irremediável. Até o roupeiro Gentil invadir o vestiário, apavorado e quase sem fôlego para avisar o ponteiro-direito da briga generalizada que transformou o gramado do Gigante numa praça de guerra. E que marcaria para sempre o primeiro Gre-Nal da casa colorada. Uma confusão de 20 de abril de 1969, tempos remotos, em que os atuais técnicos da Dupla, Felipão e Abel Braga, mal começavam a ensaiar suas carreiras como zagueiros. Uma data que ficou para a história e que todos torcem para que não se repita no primeiro clássico do Novo Beira-Rio, domingo, pelo Brasileirão.

Ao todo, foram 20 jogadores expulsos pelo aturdido árbitro Orion Satter de Mello - 19 deles pela confusão. Salvaram-se o meia colorado Dorinho e o goleiro gremista Alberto. Esse último protagonizou uma das curiosas imagens daquela tarde de domingo ao tentar pedir paz ao uruguaio Urruzmendi e o artilheiro Acindo, que tentavam se acertar de qualquer maneira, sob olhar cândido do arqueiro. Quem também não foi expulso, claro, foi Valdomiro, que assistiu a toda a confusão da boca do túnel, de banho tomado e com semblante de espanto.

- Eu tenho o Belfort Duarte - orgulha-se até hoje Valdomiro, sobre o prêmio que à época era concedido a atletas disciplinados no futebol brasileiro. - Só sei que aquele baixinho uruguaio entrou no jogo e começou a confusão.

Valdomiro se refere ao já citado Urruzmendi, que entrou em seu lugar no segundo tempo. Jogou só três minutos. O relógio apontava 37 da etapa final, e a bola se aninhava nos braços de Alberto. O uruguaio, numa fúria inexplicável, tentou disparar em direção ao goleiro gremista para atrapalhar a reposição. Valdir Espinosa notou o movimento e o barrou. O contato entre os dois teve o poder de uma faísca num barril de pólvora. E o Gre-Nal explodiu.

Sangue, voadora e só dois não são expulsos

Alberto jogou a bola para fora. No mesmo momento, o companheiro Tupãzinho partiu para cima de Urruzmendi, que não deixou por menos e revidou. Brotavam jogadores, suplentes, dirigentes… Alcindo deixou a área na qual tentava fazer gols para se meter na bronca. Sadi aproveitou a correria do rival para atrapalhá-lo. O lateral colorado acertou o centroavante gremista que, depois, refeito do baque inicial, passou a praticamente lutar boxe com Urruzmendi. Alberto tentou fazê-los parar. Em vão.

O ponto alto foi a voadora do goleiro vermelho. Gainete voou como um lutador de caratê sobre um bolo compacto de jogadores, mas não foi muito feliz. Caiu em meio a gremistas. E apanhou um bocado. Deitado, recebeu chutes até ser socorrido por companheiros, em desabalada corrida para evitar mais danos. Saiu com sangue vertendo-lhe o rosto, mas com orgulho intacto.

- O Alcindo e o Gainete tinham uma grande rivalidade - conta Valdomiro, colorado com maior número de jogos pelo clube.



Goleador absoluto da história do Grêmio e dono de 13 gols em Gre-Nais, Alcindo era sempre um personagem à parte em clássicos. Ouvia a vaia da torcida rival do início ao fim de cada jogo. E, além de fazer gols, aprendeu a apanhar dos zagueiros. E, por que não, a dar o troco. A bater.

- Olha, numa confusão, vou ser bem sincero. Você não bate nem apanha. Você não sabe em quem está dando, de quem vem o soco... Você está sempre cego, ameaça, empurra… - conta, com uma ponta de saudade dos tempos mais remotos do clássico.
Para Alcindo, a briga foi apenas o desfecho natural do ambiente de pressão criado durante a semana diante do embate histórico.

- Quando você sabe que a coisa de repente não vai acabar bem, qualquer pezinho de galinha dá uma canja. O clima já estava pesado desde antes - defende.

- O pessoal estava um pouco nervoso, não dava para perder o primeiro Gre-Nal no Beira-Rio - confirma Valdomiro.

Panela de pressão: 6 a 2, dirigentes, jornais...

Os ânimos já estavam exaltados durante a semana, nos bastidores. Dirigentes de Grêmio e Inter trocavam farpas via jornais sobre a divisão da renda do amistoso. Em nota oficial, o Grêmio afirmou que disputaria o Gre-Nal "sob protesto", ameaçando entrar com ação na Justiça "para ressarcir-se dos prejuízos resultantes daquele doloso procedimento".

A resposta do Inter foi forte, também por meio de um comunicado, em que classificou as alegações como "calúnia, difamação e injúria". Disse que se arrependeu de ter convidado o maior rival para a inauguração do Beira-Rio: "Podia perfeitamente dispensar esse gesto de amabilidade", conclui o clube, na véspera do jogo.

- Eu sabia desse problema, mas não esperava que os 22 jogadores, todos cavalheiros, fossem se deixar contagiar por isso - disse, após o jogo, o árbitro Orion Satter de Mello, que, na época, tinha apenas dois anos como juiz da divisão principal do Rio Grande do Sul.

GRÊMIO



INTERNACIONAL



A importância do jogo transcendia a rusga de gabinetes. O jornal Zero Hora estampou na manhã de domingo a sugestiva manchete, antes de a bola rolar: “Um Gre-Nal maior do que o Beira-Rio”. A publicação também lembrou a “espera de 15 anos” do Grêmio por esse momento de revanche. Em 1954, no torneio de inauguração do Olímpico, o Inter havia batizado o estádio novo do rival com uma incrível goleada de 6 a 2. O goleiro azul na ocasião, vazado seis dolorosas vezes, era Sérgio Moacir Torres. Justamente, o técnico tricolor em 1969.

Sadi derruba Alcindo durante confusão em 1969 (Foto: Reprodução / Site Oficial)

Talvez por medo de sofrer nova goleada, Sérgio Moacir Torres tenha colocado sua equipe na defesa, naquele 20 de abril. Até o futebol ficar de lado, o Inter foi superior, colecionando as melhores chances de gol. E, mesmo com a bola rolando, já reinava truculência. O árbitro fora acusado pela crônica esportiva, após o duelo, de ser conivente com entradas duras no primeiro tempo. Foi expulsar um jogador após o intervalo, o ponteiro gremista Hélio Pires.

Confiante num gol ainda no fim, Inter tentou voltar a campo após a grande confusão. Só se retirou de vez ao ser informado de que não haveria número suficiente de atletas para o amistoso (?) prosseguir. A polícia ainda registrou focos de brigas de torcedores fora do estádio. Prova de que a irresponsabilidade em campo respingou sobre os fãs. Mas nenhuma ocorrência chegou ao grau de barbárie visto no gramado do Beira-Rio. Para piorar, os dirigentes pareceram não ter aprendido. Seguiram discutindo sobre a renda na semana seguinte à pancadaria.

Agora, 45 anos depois, os tempos são outros. Felipão e Abel se tornaram técnicos consagrados. O Beira-Rio se modernizou e recebeu uma Copa do Mundo. O black power de Valdomiro e tantos outros já não é mais moda. Que assim seja sobre a violência. Que fique no passado e ninguém mais se atreva a usá-la em 10 de agosto.



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