Edilson Pereira de Carvalho, na frente da casa em que vive com a mãe, em Jacareí (Foto: Leonardo Lourenço)
Edilson Pereira de Carvalho não estava em casa. Tinha acabado de sair com a filha para comer pasteis na feira que funciona ali perto de sua casa em Jacareí (SP), às quartas-feiras. Quem apareceu na porta foi a mãe dele, dona Emy, que indicou o caminho – três ou quatro quarteirões dali, numa avenida às margens do rio Paraíba do Sul.
Sentado num dos bancos de plástico da barraca, o protagonista do maior esquema de manipulação de resultados do futebol brasileiro, dez anos depois, conversa com a filha sobre aposentadoria. Até ser interrompido pela reportagem, que se apresenta e, em seguida, recebe o convite para experimentar um pastel.
Convite aceito, um de queijo, enquanto o ex-árbitro escolhe o de palmito – não sem antes se certificar de que o recheio era diferente daquele servido no Mercado Municipal de Jacareí, cidade do Vale do Paraíba que fica a 80 quilômetros de São Paulo.
– Aquele lá é comer e morrer – diz, em voz alta, fazendo a filha sorrir.
Antes de ouvir o motivo da procura, Edilson se adianta:
– Foi mais para o final do ano, né? Setembro, outubro...
Foi em setembro. No dia 23 daquele mês, em 2005, a revista Veja estampou em sua capa uma foto de Edilson, à época um dos 10 árbitros com o escudo da Fifa no país. Em conluio com apostadores, ele atuou para alterar o placar de uma série de jogos, o que levou o STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) a anular e remarcar as onze partidas apitadas pelo paulista no Campeonato Brasileiro – ele admite apostas em apenas três.
Na madrugada seguinte, o árbitro foi preso pela Polícia Federal. Na carceragem estava também o empresário Nagib Fayad, apontado como mentor do esquema. Ficaram detidos por cinco dias, em prisão temporária. Era o fim da carreira de Edilson Pereira de Carvalho.
De estrela do quadro de arbitragem, ele foi banido do esporte. Respondeu a um processo penal, suspenso. Numa ação civil do Ministério Público, foi condenado, junto com a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), a FPF (Federação Paulista de Futebol), Fayad e o árbitro Paulo José Danelon, que também participou dos acertos, ao pagamento de uma indenização de R$ 180 milhões – recursos levaram o caso para o STJ (Superior Tribunal de Justiça).
A vida confortável que levava em Jacareí desmoronou. Como árbitro Fifa, Edilson recebia R$ 3 mil a cada jogo. Por sua reputação, dificilmente ficava fora de uma escala – duas por semana. Nunca mais conseguiu um emprego que lhe pagasse, por mês, o mesmo que recebia pelos 90 minutos no gramado. Recentemente, separou-se da mulher, que o acusou de violência, e hoje a processa numa disputa pela casa que dividiram por 13 anos.
Edilson termina seu pastel – muito salgado, segundo ele – e sugere que a conversa continue na casa em que vive com a mãe, uma senhora de 89 anos, num imóvel simples, de paredes com pintura descascada, em um bairro tranquilo de Jacareí. Já tinha comprado meia dúzia de tomates, mas estava frustrado por não encontrar as mexericas que procurava – as disponíveis nas bancas eram pequenas demais para seu gosto.
No corredor que liga a sala e a cozinha, algumas fotos e reportagens enquadradas da época em que apitava. São imagens de Edilson no Mineirão, em Belo Horizonte, no Mangueirão, em Belém, ou passeando por Santiago, no Chile, onde foi arbitrar alguma partida da qual não se lembra. Textos de diferentes jornais sobre suas atuações completam o memorial – um deles, crítico ao desempenho da arbitragem em um São Caetano x Santos, absolve o juiz e condena o auxiliar.
– Éramos 10 com escudo da Fifa. Desses, três eram incompetentes, outros dois estavam lá por nomeação política. Eu era bem considerado. Eu, o (Carlos Eugênio) Simon e o Antônio Pereira éramos os melhores – diz Edilson.
Troféu divide espaço com fotos e reportagens sobre Edilson na casa da mãe do ex-árbitro (Foto: Leonardo Lourenço)
A última vez em que entrou em campo para apitar foi em 10 de setembro de 2005, na vitória por 3 a 0 do Fluminense sobre o Brasiliense, em Volta Redonda. O escândalo que ficou conhecido como "Máfia do Apito" viria a ser desmascarado duas semanas depois.
– Foram três jogos com apostas (no Brasileiro), mas eu não fiz nada. Um deles foi Figueirense x Juventude, mas o Edmundo (na época no Figueira) marcou três gols – afirma, sobre a partida vencida pelos catarinenses por 4 a 1 com participação decisiva do atacante, quando o acerto com os apostadores era para que os gaúchos vencessem.
Após cinco dias preso, Edilson deixa a carceragem da PF em São Paulo (Foto: Clayton de Souza / Agência Estado)
O esquema começou numa partida da Libertadores daquele ano. Edilson comandou o duelo entre Banfield e Alianza Lima, na Argentina. Diz que recebeu a oferta para que os donos da casa fossem ajudados, mas não interferiu no resultado.
– Deixei de dar um pênalti claro para o Banfield, minha cabeça não aceitava aquilo. No fim, eles fizeram um gol e venceram.
Na volta ao Brasil, foi abordado por Fayad no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, que o esperava com US$ 10 mil. Decidiu ficar com o pacote.
– Foi pelo maldito dinheiro. Eu era uma pessoa chata, correta, botavam a mão no fogo por mim.
Edilson garante que nunca mais se encontrou com Fayad. Na carceragem da Polícia Federal, entretanto, ele teria recebido nova oferta do empresário, entregue por um carcereiro: cerca de R$ 20 mil para não contar o que sabia. Desta vez, Edilson afirma que não aceitou o dinheiro. Fayad nega a proposta:
– Mentira, completamente. Contei tudo no meu depoimento, não faz sentido eu ter oferecido algo pra ele – afirma o empresário, que admite apostar até hoje em jogos de futebol.
– Quando sobra dinheiro, acabo jogando. Sabe quantos sites (de aposta) existem no Brasil? Mais de dez, quinze. Não sou só eu, são milhares de pessoas – diz Fayad, que vive em São Paulo.
Edilson nas semifinais da Libertadores de 2000: "Gostaria de rever esses jogos" (Foto: JF Diorio / Agência Estado)
Foi também na Libertadores que Edilson se transformou num dos principais árbitros do Brasil. Ele apitou o confronto entre Corinthians e Palmeiras na semifinal do torneio de 2000, tanto a ida quanto a volta, ambas no Morumbi.
– Esses jogos me colocaram em outro nível, comecei a apitar finais em todo o Brasil. Entre um e outro (em duas terças consecutivas), fui para Buenos Aires bandeirar um Argentina e Bolívia (no domingo), pelas eliminatórias. Queria fugir da pressão. Mas deveria ter ficado, para acompanhar os elogios.
Nessas partidas, vesti preto, queria ser o mais discreto possível – conta.
O duelo ficou marcado pelo pênalti perdido por Marcelinho Carioca, em defesa de Marcos celebrada até hoje pelos palmeirenses. No lance, o goleiro se adianta antes da batida. Edilson viu, mas não anulou a cobrança.
– Eu sabia que ele se adiantava, fazia ameaças de que voltaria a penalidade. Mas na Libertadores não tem isso. Se eu voltasse, minha carreira acabava ali, não existia esse hábito.
Jogos que Edilson apitou e que foram anulados
Edilson também se exime de qualquer responsabilidade sobre a derrota do Internacional no Brasileiro. Os gaúchos teriam terminado a competição à frente do Corinthians, campeão, se os resultados dos jogos anulados fossem mantidos. Dentre os jogos anulados estavam duas derrotas do time alvinegro. Com as partidas sendo disputadas novamente, o Corinthians conquistou quatro pontos e acabou superando o Inter na classificação final (81 contra 78).
Edilson culpa o erro de outro árbitro nesse caso. Ele lembra do pênalti que Marcio Rezende de Freitas não marcou a favor dos colorados no empate em 1 a 1 com o Corinthians, no Pacaembu, disputado após a polêmica que protagonizou. No lance, Tinga é derrubado por Fábio Costa dentro da área. Freitas não só deixa de anotar a falta, como expulsa o volante por simulação.
– Foi esse o jogo que definiu o campeonato.
A arbitragem era a maior fonte de renda de Edilson, que por um tempo conciliou a atuação nos gramados com um emprego numa fábrica de vidros de Jacareí – antes do apito, recebeu treinamento para operar empilhadeiras.
Após o escândalo, suas contas ruíram. Edilson lançou um livro com sua versão dos fatos, sem sucesso. Investiu cerca de R$ 70 mil em máquinas de sorvete expresso, mas o negócio não vingou – precisou se desfazer delas pela metade do preço.
Ex-árbitro trabalhou como balconista e tem tido dificuldade de encontrar um novo emprego (Foto: Reprodução)
Sem formação, começou a perambular por trabalhos que pouco lhe pagavam. Em sua carteira de trabalho, anotações como balconista, auxiliar de produção e conferente. O salário mais alto, de R$ 900. Recentemente, conseguiu trabalhos temporários em empresas de logística. Está desempregado há três meses. A mãe recebe cerca de R$ 1.500 de aposentadoria.
Ele não credita a dificuldade aos eventos do passado, mas à idade avançada.
– A maioria (das recrutadoras) não sabe o que aconteceu. Muitas são mulheres, não gostam de futebol, muito menos vão lembrar de um árbitro. O que pesa é a idade. Recentemente fui disputar duas vagas, e o concorrente mais velho tinha 28 anos, eu tenho 52 – lamenta.
Edilson diz que recebeu ligações para que apitasse jogos amadores. Um ex-companheiro, Oscar Roberto Godói, convidou-o para atuar em torneios de Showbol – evento que reúne ex-atletas –, mas recusou.
– Não dava. Não era por causa de dinheiro, foi o dinheiro que acabou com a minha vida. Mas eu precisava colocar a cabeça no lugar. Nem hoje eu aceitaria, por dinheiro nenhum, apesar de estar sem dinheiro.
Foi a crise financeira, em sua opinião, que decretou também o fim de seu casamento.
– Acabou o dinheiro, acabou o amor – diz.
A separação foi conflituosa. Hoje Edilson enfrenta a ex-mulher, Márcia, nos tribunais. Pede que ela lhe pague R$ 500 mensais como aluguel pela casa em que viviam juntos – ela ainda mora no imóvel com a única filha do casal, Mariana.
Ex-mulher de Edilson fez Boletim de Ocorrência, dizendo temer "por sua integridade física"
Antes, porém, Márcia acusou o então marido de violência. Em fevereiro de 2013, registrou boletim de ocorrência na Delegacia de Defesa da Mulher de Jacareí em que descrevia ameaças e dizia temer "por sua integridade física". No documento, relata que Edilson tentava “fazer sexo forçado”, e que ele efetuava disparos com revólver no local.
Edilson admite os tiros, mas diz que os fez quando a mulher e a filha estavam fora, em Caraguatatuba. Foram dois, e o segundo tinha, como endereço, sua própria cabeça.
– Eu tinha bebido, estava desanimado com tudo, dei um tiro na parede. Depois, apontei a arma para mim mesmo, mas não tive coragem, e atirei no sótão. Ainda me arrependo de não ter feito – afirma o ex-árbitro, numa das poucas vezes em que pareceu emocionado na entrevista.
O episódio fez com que Márcia procurasse a Justiça, que lhe concedeu medidas protetivas. Edilson tinha que deixar a casa e se manter afastado dela em pelo menos 100 metros.
O imóvel ainda está em disputa. Márcia demonstrou interesse em adquirir a parte de Edilson por R$ 115 mil, mas recuou por conta de uma penhora em nome de Reinaldo Carneiro Bastos, atual presidente da FPF. O cartola já conseguiu a condenação do ex-juiz e uma indenização de cerca de R$ 35 mil por danos morais – ele reclama de ofensas em entrevistas. Em abril, a 10ª Câmara de Direito Privado de São Paulo publicou decisão favorável a Edilson e cancelou o bloqueio.
A reportagem foi até a casa de Márcia, mas ela se recusou a falar sobre o assunto.
Sem trabalhar, Edilson costuma acordar cedo. Levanta às 5h para ver o noticiário da região de São José dos Campos, principal cidade do Vale do Paraíba. Há algumas semanas, acompanhou as primeiras notícias sobre o escândalo de corrupção da Fifa.
– No mesmo dia, minha filha veio aqui e perguntou, preocupada, se mexeriam comigo novamente. Disse a ela que não, uma coisa não tinha nenhuma relação com a outra. Eu sou só um grão de areia nesse deserto – diz Edilson.
O futebol não deixou a rotina do ex-árbitro. Ele assiste a muitos programas esportivos – citou o apresentador André Rizek, do SporTV, um dos autores da reportagem que revelou o que esquema da Máfia do Apito, na Veja, uma dezena vezes.
Edilson guarda numa parede as lembranças do tempo de arbitragem (Foto: Leonardo Lourenço)
Edilson gosta do futebol europeu, especialmente dos campeonatos Inglês e Espanhol. Elogia os argentinos por suas torcidas, mas critica a violência nos torneios disputados no país vizinho. E não demonstra entusiasmo com o que é jogado no Brasil.
– O Campeonato Paulista não dá para acompanhar, é um lixo – diz.
Quando se senta diante da TV para ver uma partida, presta atenção no juiz e faz suas avaliações. Acredita que os atletas extrapolam nas reclamações, mas não concorda com a determinação recente que resultou no aumento de cartões por essas atitudes.
– Hoje o (Guilherme) Ceretta é o melhor (juiz) de São Paulo, mas é muito vaselina, passa a mão no jogador, conversa. O Valdivia não terminaria um jogo comigo apitando. Mas agora já está um exagero (as punições por reclamações), não usam o bom senso. O Vanderlei Luxemburgo me dava muito trabalho, mas mesmo assim só o expulsei uma vez.
Durante a semana, vai ao clube Trianon, onde joga futevôlei às quartas e domingos. Também frequenta a sauna do lugar – foi ali onde trabalhou como balconista, convidado por um amigo, que pouco depois perdeu a concessão do espaço.
Ele tinha o hábito de ver as partidas em que atuou, gravadas em fitas VHS. Não suportou. Reuniu todas, levou a um terreno baldio, encharcou de gasolina e ateou fogo.
– Eu tinha quase tudo gravado. Assistia e chorava. Mas agora eu me arrependo, gostaria de rever aqueles dois Corinthians x Palmeiras, de 2000 – lamenta, quando a voz volta a ficar trêmula.
Edilson, então, se levanta, oferece um copo de água, e agradece a visita inesperada. Precisava ir ao mercado, antes do almoço, comprar chás. Não os encontrou na feira.
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Edilson Pereira de Carvalho não estava em casa. Tinha acabado de sair com a filha para comer pasteis na feira que funciona ali perto de sua casa em Jacareí (SP), às quartas-feiras. Quem apareceu na porta foi a mãe dele, dona Emy, que indicou o caminho – três ou quatro quarteirões dali, numa avenida às margens do rio Paraíba do Sul.
Sentado num dos bancos de plástico da barraca, o protagonista do maior esquema de manipulação de resultados do futebol brasileiro, dez anos depois, conversa com a filha sobre aposentadoria. Até ser interrompido pela reportagem, que se apresenta e, em seguida, recebe o convite para experimentar um pastel.
Convite aceito, um de queijo, enquanto o ex-árbitro escolhe o de palmito – não sem antes se certificar de que o recheio era diferente daquele servido no Mercado Municipal de Jacareí, cidade do Vale do Paraíba que fica a 80 quilômetros de São Paulo.
– Aquele lá é comer e morrer – diz, em voz alta, fazendo a filha sorrir.
Antes de ouvir o motivo da procura, Edilson se adianta:
– Foi mais para o final do ano, né? Setembro, outubro...
Foi em setembro. No dia 23 daquele mês, em 2005, a revista Veja estampou em sua capa uma foto de Edilson, à época um dos 10 árbitros com o escudo da Fifa no país. Em conluio com apostadores, ele atuou para alterar o placar de uma série de jogos, o que levou o STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) a anular e remarcar as onze partidas apitadas pelo paulista no Campeonato Brasileiro – ele admite apostas em apenas três.
Na madrugada seguinte, o árbitro foi preso pela Polícia Federal. Na carceragem estava também o empresário Nagib Fayad, apontado como mentor do esquema. Ficaram detidos por cinco dias, em prisão temporária. Era o fim da carreira de Edilson Pereira de Carvalho.
De estrela do quadro de arbitragem, ele foi banido do esporte. Respondeu a um processo penal, suspenso. Numa ação civil do Ministério Público, foi condenado, junto com a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), a FPF (Federação Paulista de Futebol), Fayad e o árbitro Paulo José Danelon, que também participou dos acertos, ao pagamento de uma indenização de R$ 180 milhões – recursos levaram o caso para o STJ (Superior Tribunal de Justiça).
A vida confortável que levava em Jacareí desmoronou. Como árbitro Fifa, Edilson recebia R$ 3 mil a cada jogo. Por sua reputação, dificilmente ficava fora de uma escala – duas por semana. Nunca mais conseguiu um emprego que lhe pagasse, por mês, o mesmo que recebia pelos 90 minutos no gramado. Recentemente, separou-se da mulher, que o acusou de violência, e hoje a processa numa disputa pela casa que dividiram por 13 anos.
Edilson termina seu pastel – muito salgado, segundo ele – e sugere que a conversa continue na casa em que vive com a mãe, uma senhora de 89 anos, num imóvel simples, de paredes com pintura descascada, em um bairro tranquilo de Jacareí. Já tinha comprado meia dúzia de tomates, mas estava frustrado por não encontrar as mexericas que procurava – as disponíveis nas bancas eram pequenas demais para seu gosto.
No corredor que liga a sala e a cozinha, algumas fotos e reportagens enquadradas da época em que apitava. São imagens de Edilson no Mineirão, em Belo Horizonte, no Mangueirão, em Belém, ou passeando por Santiago, no Chile, onde foi arbitrar alguma partida da qual não se lembra. Textos de diferentes jornais sobre suas atuações completam o memorial – um deles, crítico ao desempenho da arbitragem em um São Caetano x Santos, absolve o juiz e condena o auxiliar.
– Éramos 10 com escudo da Fifa. Desses, três eram incompetentes, outros dois estavam lá por nomeação política. Eu era bem considerado. Eu, o (Carlos Eugênio) Simon e o Antônio Pereira éramos os melhores – diz Edilson.
Troféu divide espaço com fotos e reportagens sobre Edilson na casa da mãe do ex-árbitro (Foto: Leonardo Lourenço)
A última vez em que entrou em campo para apitar foi em 10 de setembro de 2005, na vitória por 3 a 0 do Fluminense sobre o Brasiliense, em Volta Redonda. O escândalo que ficou conhecido como "Máfia do Apito" viria a ser desmascarado duas semanas depois.
– Foram três jogos com apostas (no Brasileiro), mas eu não fiz nada. Um deles foi Figueirense x Juventude, mas o Edmundo (na época no Figueira) marcou três gols – afirma, sobre a partida vencida pelos catarinenses por 4 a 1 com participação decisiva do atacante, quando o acerto com os apostadores era para que os gaúchos vencessem.
Após cinco dias preso, Edilson deixa a carceragem da PF em São Paulo (Foto: Clayton de Souza / Agência Estado)
O esquema começou numa partida da Libertadores daquele ano. Edilson comandou o duelo entre Banfield e Alianza Lima, na Argentina. Diz que recebeu a oferta para que os donos da casa fossem ajudados, mas não interferiu no resultado.
– Deixei de dar um pênalti claro para o Banfield, minha cabeça não aceitava aquilo. No fim, eles fizeram um gol e venceram.
Na volta ao Brasil, foi abordado por Fayad no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, que o esperava com US$ 10 mil. Decidiu ficar com o pacote.
– Foi pelo maldito dinheiro. Eu era uma pessoa chata, correta, botavam a mão no fogo por mim.
Edilson garante que nunca mais se encontrou com Fayad. Na carceragem da Polícia Federal, entretanto, ele teria recebido nova oferta do empresário, entregue por um carcereiro: cerca de R$ 20 mil para não contar o que sabia. Desta vez, Edilson afirma que não aceitou o dinheiro. Fayad nega a proposta:
– Mentira, completamente. Contei tudo no meu depoimento, não faz sentido eu ter oferecido algo pra ele – afirma o empresário, que admite apostar até hoje em jogos de futebol.
– Quando sobra dinheiro, acabo jogando. Sabe quantos sites (de aposta) existem no Brasil? Mais de dez, quinze. Não sou só eu, são milhares de pessoas – diz Fayad, que vive em São Paulo.
Edilson nas semifinais da Libertadores de 2000: "Gostaria de rever esses jogos" (Foto: JF Diorio / Agência Estado)
Foi também na Libertadores que Edilson se transformou num dos principais árbitros do Brasil. Ele apitou o confronto entre Corinthians e Palmeiras na semifinal do torneio de 2000, tanto a ida quanto a volta, ambas no Morumbi.
– Esses jogos me colocaram em outro nível, comecei a apitar finais em todo o Brasil. Entre um e outro (em duas terças consecutivas), fui para Buenos Aires bandeirar um Argentina e Bolívia (no domingo), pelas eliminatórias. Queria fugir da pressão. Mas deveria ter ficado, para acompanhar os elogios.
Nessas partidas, vesti preto, queria ser o mais discreto possível – conta.
O duelo ficou marcado pelo pênalti perdido por Marcelinho Carioca, em defesa de Marcos celebrada até hoje pelos palmeirenses. No lance, o goleiro se adianta antes da batida. Edilson viu, mas não anulou a cobrança.
– Eu sabia que ele se adiantava, fazia ameaças de que voltaria a penalidade. Mas na Libertadores não tem isso. Se eu voltasse, minha carreira acabava ali, não existia esse hábito.
Jogos que Edilson apitou e que foram anulados
Edilson também se exime de qualquer responsabilidade sobre a derrota do Internacional no Brasileiro. Os gaúchos teriam terminado a competição à frente do Corinthians, campeão, se os resultados dos jogos anulados fossem mantidos. Dentre os jogos anulados estavam duas derrotas do time alvinegro. Com as partidas sendo disputadas novamente, o Corinthians conquistou quatro pontos e acabou superando o Inter na classificação final (81 contra 78).
Edilson culpa o erro de outro árbitro nesse caso. Ele lembra do pênalti que Marcio Rezende de Freitas não marcou a favor dos colorados no empate em 1 a 1 com o Corinthians, no Pacaembu, disputado após a polêmica que protagonizou. No lance, Tinga é derrubado por Fábio Costa dentro da área. Freitas não só deixa de anotar a falta, como expulsa o volante por simulação.
– Foi esse o jogo que definiu o campeonato.
A arbitragem era a maior fonte de renda de Edilson, que por um tempo conciliou a atuação nos gramados com um emprego numa fábrica de vidros de Jacareí – antes do apito, recebeu treinamento para operar empilhadeiras.
Após o escândalo, suas contas ruíram. Edilson lançou um livro com sua versão dos fatos, sem sucesso. Investiu cerca de R$ 70 mil em máquinas de sorvete expresso, mas o negócio não vingou – precisou se desfazer delas pela metade do preço.
Ex-árbitro trabalhou como balconista e tem tido dificuldade de encontrar um novo emprego (Foto: Reprodução)
Sem formação, começou a perambular por trabalhos que pouco lhe pagavam. Em sua carteira de trabalho, anotações como balconista, auxiliar de produção e conferente. O salário mais alto, de R$ 900. Recentemente, conseguiu trabalhos temporários em empresas de logística. Está desempregado há três meses. A mãe recebe cerca de R$ 1.500 de aposentadoria.
Ele não credita a dificuldade aos eventos do passado, mas à idade avançada.
– A maioria (das recrutadoras) não sabe o que aconteceu. Muitas são mulheres, não gostam de futebol, muito menos vão lembrar de um árbitro. O que pesa é a idade. Recentemente fui disputar duas vagas, e o concorrente mais velho tinha 28 anos, eu tenho 52 – lamenta.
Edilson diz que recebeu ligações para que apitasse jogos amadores. Um ex-companheiro, Oscar Roberto Godói, convidou-o para atuar em torneios de Showbol – evento que reúne ex-atletas –, mas recusou.
– Não dava. Não era por causa de dinheiro, foi o dinheiro que acabou com a minha vida. Mas eu precisava colocar a cabeça no lugar. Nem hoje eu aceitaria, por dinheiro nenhum, apesar de estar sem dinheiro.
Foi a crise financeira, em sua opinião, que decretou também o fim de seu casamento.
– Acabou o dinheiro, acabou o amor – diz.
A separação foi conflituosa. Hoje Edilson enfrenta a ex-mulher, Márcia, nos tribunais. Pede que ela lhe pague R$ 500 mensais como aluguel pela casa em que viviam juntos – ela ainda mora no imóvel com a única filha do casal, Mariana.
Ex-mulher de Edilson fez Boletim de Ocorrência, dizendo temer "por sua integridade física"
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Edilson admite os tiros, mas diz que os fez quando a mulher e a filha estavam fora, em Caraguatatuba. Foram dois, e o segundo tinha, como endereço, sua própria cabeça.
– Eu tinha bebido, estava desanimado com tudo, dei um tiro na parede. Depois, apontei a arma para mim mesmo, mas não tive coragem, e atirei no sótão. Ainda me arrependo de não ter feito – afirma o ex-árbitro, numa das poucas vezes em que pareceu emocionado na entrevista.
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O imóvel ainda está em disputa. Márcia demonstrou interesse em adquirir a parte de Edilson por R$ 115 mil, mas recuou por conta de uma penhora em nome de Reinaldo Carneiro Bastos, atual presidente da FPF. O cartola já conseguiu a condenação do ex-juiz e uma indenização de cerca de R$ 35 mil por danos morais – ele reclama de ofensas em entrevistas. Em abril, a 10ª Câmara de Direito Privado de São Paulo publicou decisão favorável a Edilson e cancelou o bloqueio.
A reportagem foi até a casa de Márcia, mas ela se recusou a falar sobre o assunto.
Sem trabalhar, Edilson costuma acordar cedo. Levanta às 5h para ver o noticiário da região de São José dos Campos, principal cidade do Vale do Paraíba. Há algumas semanas, acompanhou as primeiras notícias sobre o escândalo de corrupção da Fifa.
– No mesmo dia, minha filha veio aqui e perguntou, preocupada, se mexeriam comigo novamente. Disse a ela que não, uma coisa não tinha nenhuma relação com a outra. Eu sou só um grão de areia nesse deserto – diz Edilson.
O futebol não deixou a rotina do ex-árbitro. Ele assiste a muitos programas esportivos – citou o apresentador André Rizek, do SporTV, um dos autores da reportagem que revelou o que esquema da Máfia do Apito, na Veja, uma dezena vezes.
Edilson guarda numa parede as lembranças do tempo de arbitragem (Foto: Leonardo Lourenço)
Edilson gosta do futebol europeu, especialmente dos campeonatos Inglês e Espanhol. Elogia os argentinos por suas torcidas, mas critica a violência nos torneios disputados no país vizinho. E não demonstra entusiasmo com o que é jogado no Brasil.
– O Campeonato Paulista não dá para acompanhar, é um lixo – diz.
Quando se senta diante da TV para ver uma partida, presta atenção no juiz e faz suas avaliações. Acredita que os atletas extrapolam nas reclamações, mas não concorda com a determinação recente que resultou no aumento de cartões por essas atitudes.
– Hoje o (Guilherme) Ceretta é o melhor (juiz) de São Paulo, mas é muito vaselina, passa a mão no jogador, conversa. O Valdivia não terminaria um jogo comigo apitando. Mas agora já está um exagero (as punições por reclamações), não usam o bom senso. O Vanderlei Luxemburgo me dava muito trabalho, mas mesmo assim só o expulsei uma vez.
Durante a semana, vai ao clube Trianon, onde joga futevôlei às quartas e domingos. Também frequenta a sauna do lugar – foi ali onde trabalhou como balconista, convidado por um amigo, que pouco depois perdeu a concessão do espaço.
Ele tinha o hábito de ver as partidas em que atuou, gravadas em fitas VHS. Não suportou. Reuniu todas, levou a um terreno baldio, encharcou de gasolina e ateou fogo.
– Eu tinha quase tudo gravado. Assistia e chorava. Mas agora eu me arrependo, gostaria de rever aqueles dois Corinthians x Palmeiras, de 2000 – lamenta, quando a voz volta a ficar trêmula.
Edilson, então, se levanta, oferece um copo de água, e agradece a visita inesperada. Precisava ir ao mercado, antes do almoço, comprar chás. Não os encontrou na feira.
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