Cebolla resgata origens no Sul e pode coroar seu estilo gaúcho com 18ª taça

Cristian Rodríguez usa semelhanças entre Uruguai e RS para se adaptar e superar frustração com lesão; chance de redenção pelo Grêmio pode vir com título gaúcho


Fonte: GloboEsporte

Cebolla resgata origens no Sul e pode coroar seu estilo gaúcho com 18ª taça
>em>À moda gaúcha, Cristian Rodríguez fez cavalgada em 2013 para cumprir promessa (Foto: Futbolflorida.com/Divulgação)

De origem trabalhadora, acostumada à luta diária na fábrica de papel de Juan Lacaze, modesta cidade do Uruguai, a família Rodríguez precisou se virar para satisfazer o desejo do pequeno Cristian, de nove anos. O jeito foi trocar a bicicleta que o moleque havia ganho para lhe dar o tão sonhado... cavalo. Hoje, Cebolla ampliou a coleção e tem cerca de 40 cavalos quarto de milha, usados em competições na sua terra natal. Um uruguaio à moda antiga, que honra as raízes do campo e que pode, neste domingo, se tornar ainda mais gaúcho, com o título estadual pelo Grêmio no Gre-Nal. Se faltam mais jogos pelo clube, experiência e currículo há de sobra: é o charrua com mais títulos profissionais da história, dono de 17 conquistas.

Esperança do Grêmio para encerrar um jejum de cinco anos sem taça na final de domingo contra o Inter, Cristian Rodríguez chamou a atenção, desde sua chegada em 11 de março, por sua ligação com a cultura gaúcha. Assim que pisou em Porto Alegre, encantou-se com a semelhança dos costumes locais à tradição uruguaia. A começar pelo mate, inseparável de sua personalidade até na sempre concorrida zona mista na Arena. Um conforto diante das dificuldades desde sua ruidosa contratação, com direito à punição internacional e grave lesão muscular, fatores decisivos para que ele jogasse apenas 84 minutos com a camisa do Grêmio. Seu contrato vai até julho.

Cristian Rodríguez, 29 anos, já foi visto em trajes típicos de gaúchos, em shows tradicionalistas e competições de rodeio neste último um mês e meio de Grêmio. Está em casa, como se não tivesse saído de "el Chichongo", nome de sua fazenda no Uruguai, em homenagem ao cachorro que teve na infância, que o esperava na volta da escola, dia após dia.

Da infância que surgem as lembranças mais remotas do prazer que o campo dá a Cebolla, apelido herdado do pai. A pequena cidade de Juan Lacaze é parte do distrito de Colônia, cerca de 150 km de Montevidéu. Mal chega a 13 mil habitantes. Quando criança, Rodríguez também tinha amor pela pesca. De bicicleta, vendia o resultado da pescaria com a família. Nos campinhos do clube Escola Industrial começou a desfilar seu talento no futebol.


Cebolla com um dos funcionários de sua fazenda e com a filha Lola (Foto: Reprodução)

Embora pequena, Juan Lacaze é celeiro de jogadores daquele país. Como o ex-atacante da Celeste Chevanton e o zagueiro Obdulio Trasante. Este último teve passagem pelo Grêmio, no qual foi campeão do Gauchão e da Copa do Brasil de 1989, competições hoje ao alcance de Rodríguez. Residente em Montevidéu, Trasante se lembra de Cebolla ainda pequeno, sempre com a bola grudada no pé esquerdo.

- O futebol é a base fundamental da criança em Juan Lacaze. Cristian vem de uma família de boleiros. Não é à toa que ele conseguiu esse sucesso todo - referenda Trasante, em contato com o GloboEsporte.com - Lembro-me muito bem de vê-lo criança jogando bola na praia.

Cebolla pode ter saído de Juan Lacaze para ganhar o mundo, mas nunca esquece a cidade que o projetou. Pelo contrário. Atualmente, comanda projetos sociais, como as reformas de um hospital para crianças e do estádio Miguel Camponar. Em sua página no Facebook, o jogador costuma postar fotos do andamento das obras, pedindo doações.

Foi de sua cidade natal que ele saiu rumo a Florida, em dezembro de 2013, num cavalgada com mais 20 pessoas. Fruto da promessa feita caso o Uruguai se classificasse ao Mundial realizado no Brasil - no qual Cebolla seria titular nas quatro partidas. Foram 170 km montado num cavalo, à revelia da recomendação do Atlético de Madrid, seu clube na época. A igreja de San Cono costuma receber as promessas dos esportistas uruguaios. Foi lá, por exemplo, que Ghiggia deixou suas chuteiras após marcar o gol no Maracanazo de 1950.


Cebolla posta imagens e acompanha evolução das obras de estádio em sua cidade natal (Foto: Reprodução)

Amizade instantânea com cantor gaúcho

Mas o seu templo é mesmo “el Chichongo”. Lá, Cristian Rodríguez consegue ficar perto da terra. O próprio já admitiu em entrevistas a jornais uruguaios que ainda não domina a arte campeira e que fica atrás de seus funcionários, estes, sim, “verdadeiros gaúchos”, como definiria Cebolla. Por isso que, a cada encontro com as raízes em Porto Alegre, o uruguaio vai à loucura.

Assim, tornou-se amigo-relâmpago de um importante cantor tradicionalista, Luiz Marenco. Cebolla conheceu o músico por meio de um artista uruguaio que é amigo em comum, Carlos Malo. Foi Cristian quem conseguiu o número de Marenco e o bombardeou de mensagens no whatsapp, ávido por conhecê-lo. Marenco, inclusive, pensou que era trote.

Para completar, Marenco é gremista de quatro costados. Não demorou para Cebolla convidá-lo para assistir a um jogo no camarote da Arena. Esperou o músico com os ingressos na mão antes de Grêmio x Campinense, pela Copa do Brasil. O jogo foi morno, menos para o uruguaio, que torcia como em final de campeonato, deixando escapar xingamentos ao árbitro.


Cristian vestido de gaúcho e torcendo para o Grêmio na Arena (Foto: Editoria de Arte/GloboEsporte.com)

Papo com funcionários e ligado na rivalidade

No retorno para casa, Rodríguez colocou o CD de Marenco como trilha sonora na caminhonete azul digna de um fazendeiro. Bastou ouvir as primeiras faixas para enviar um áudio ao cantor, gravando uma espécie de grito de guerra gaúcho, chamado de Sapucaí, tamanha a satisfação em ouvir a música. O estilo preferido de Cristian é o mais tradicional possível, de raiz. Chama-se Pajada (ou Payada), uma forma de poesia improvisada. O pajador referencial do Rio Grande do Sul foi Jayme Caetano Braun. No Uruguai, Cebolla ganhou uma canção de presente do artista Miguel Ángel Olivera (veja trecho abaixo).

Cristian também entende de Grêmio. Arranca elogios de funcionários, que o definem como um profissional que soa egresso da base, tamanha a identificação. Alguns dizem que Cebolla “parece ter nascido” no clube. Chegou sabedor da história da agremiação, de sua relação com o Uruguai, sobretudo na figura de Hugo De León, campeão do mundo em 1983 e também ídolo do Nacional-URU, eterno rival do Peñarol, clube do coração de Rodríguez, do qual tem uma tatuagem na perna direita.

No período em que tentava amainar a punição da federação italiana em sua passagem pelo Parma, Cebolla frequentava bastante as salas do departamento de futebol. Não raro, ocupava a mesa de um dos funcionários para enviar e-mails ao advogado italiano. Acompanhado do mate, é claro, aproveitava e conversava com os presentes. Também já encarnou o espírito da rivalidade Gre-Nal, antes mesmo das decisões. No jogo contra o Campinense, notou de cara que parte do traje do novo amigo Luiz Marenco tinha detalhes bordados em vermelho. Sem rodeios, tascou:

- Tem que trocar isso aí… Vermelho não pode.

Cristian Rodríguez e Luiz Marenco viram amigos pelo Grêmio e pela tradição gaúcha (Foto: Arquivo Pessoal)

Título como resposta e casamento no campo

Mas nem tudo são flores na vida de Cristian Rodríguez em Porto Alegre. Além da punição na Itália, que o tira de quatro jogos em nível nacional, o uruguaio foi acometido por uma lesão muscular logo após atuar 60 minutos na estreia, vitória sobre o Cruzeiro-RS por 1 a 0, em 14 de março. A previsão inicial de parada era de dez dias. Durou cerca de 40.

A volta ocorreu justamente no Gre-Nal de domingo passado, no segundo tempo, com o Grêmio atuando com um homem a menos. Ainda não completou 90 minutos vestindo a camiseta tricolor. Situação que o chateia. Em entrevista recente a um programa da Grêmio TV, Cebolla avisou que não estava no Grêmio para “roubar dinheiro”. Com contrato até julho, a decisão do próximo domingo pode ser a única chance de fazer história no clube, caso a renovação não aconteça.

- O Cristian está 100% focado no Grêmio, nesta decisão. Ele quer muito esse título independentemente do futuro. Caso ele saia, será uma forma de deixar sua marca. Se ficar, começará sua trajetória aqui com uma taça - explica Jorge Américo, empresário envolvido na negociação que o trouxe a Porto Alegre. - Eu sempre pergunto: você tem um uruguaio no time? Todo muito tem que ter. O uruguaio sempre acha que ele pode virar o jogo. Isso encanta a torcida do Grêmio. O Cristian tem todo o perfil para ser esse atleta que a torcida busca. Ele vai entrar para matar, dar seu suor e seu sangue pelo título.

Currículo há de sobra para encerrar o jejum tricolor. Cristian coleciona 17 conquistas oficiais desde sua estreia no Peñarol em 2002. Nenhum outro uruguaio tem mais taças do que ele profissionalmente. Com seu último título, a Supercopa da Espanha de 2014, ultrapassou o então detentor do recorde, o lendário Luis Cubilla.

Rodríguez já tem uma conquista garantida, antes mesmo de entrar em campo. Após o Gauchão, oficializará de vez a união com Emilia, com quem tem a pequena Lola, que, na apresentação no clube, ganhou uma camiseta personalizada do Grêmio. O casamento será ao estilo Cebolla. Além da cerimônia tradicional, haverá uma festa no campo, perto dos cavalos, da natureza, de sua Juan Lacaze. Não que precisasse mais do que tem todos os dias em Porto Alegre para se sentir em casa. No Grêmio, com ou sem taça, Cristian Rodríguez já provou carregar o espírito de um verdadeiro gauchão.


Cristian Rodríguez jogou 24 minutos no último Gre-Nal, na Arena (Foto: Lucas Uebel/Divulgação Grêmio)

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