Foto: Marina Pagno/Rádio Gaúcha
Um tumulto nas arquibancadas, uma briga generalizada, o lançamento de objetos em campo ou uma agressão física ou verbal. Esses são crimes previstos no Estatuto do Torcedor que podem afastá-los dos estádios caso forem cometidos dentro ou fora de campo. Atualmente, 41 torcedores estão impedidos de frequentar jogos da dupla Gre-Nal por terem infringido as regras. Por determinação da Justiça, 25 deles são obrigados a se apresentarem em delegacias do Estado durante as partidas. No entanto, hoje, de cada dez impedidos, quatro não estão comparecendo nas DPs. As informações são do blog Caso de Polícia, da Rádio Gaúcha.
A reportagem da Rádio Gaúcha percorreu os caminhos dos torcedores impedidos de frequentar os estádios. Durante três rodadas do Campeonato Gaúcho, seis delegacias de Porto Alegre e Região Metropolitana foram visitadas para conferir como é feita a fiscalização e a apresentação dos torcedores que, por desrespeitarem as leis, foram obrigados a ficar fora de jogo. Em um ano do novo Juizado do Torcedor, no Foro Central de Porto Alegre, 106 torcedores já tiveram de cumprir esta medida, quase metade deles por envolvimento em tumultos.
Os caminhos dos impedidos
Quando delitos são cometidos dentro ou fora de estádios, os torcedores envolvidos recebem a pena diretamente no Juizado Especial Criminal (Jecrim) instalado dentro dos estádios. No mesmo dia do fato, eles já são comunicados da restrição quanto ao comparecimento em jogos e o local onde terão que se apresentar durante o tempo determinado na audiência.
À exceção de alguns casos, os torcedores devem se apresentar nas delegacias meia hora antes dos jogos de seu time, ficar todo o período da partida no local, e ser liberado 30 minutos depois do término do jogo. Durante o período analisado pela reportagem, notou-se que a maioria dos torcedores compareceu regularmente nas delegacias: uma média de quatro em cada 10 torcedores não cumprem a determinação da Justiça no Rio Grande do Sul.
Caso o torcedor falte e não justifique a ausência, ele está sujeito ao monitoramento eletrônico. Oito colorados e dois gremistas estão usando tornozeleiras como garantia de que ficarão afastados dos estádios. Em último recurso, o torcedor pode ser preso preventivamente.
A rotina nas delegacias
— Geralmente, eu trago meu radinho e fico escutando o jogo do Inter esperando acabar o tempo. Acabou o jogo, eu espero mais uma hora e depois vou embora. É muito entediante, mas não tem o que fazer: a gente tem que pagar o preço.
A declaração é de Andrey Anderson da Costa Chaves, determinado a se apresentar na 2ª Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento de Porto Alegre em todos os jogos do Internacional. Sem televisão, longe do estádio e ao lado da namorada, o torcedor colorado aguardava, em uma sala espaçosa e fria, o término da partida entre Internacional e Veranópolis, realizada no dia 22 de março.
Andrey se envolveu em uma briga nas arquibancadas do Beira-Rio durante o jogo contra o Emelec, válido pela Copa Libertadores da América deste ano. O colorado está impedido de frequentar as partidas do clube até o dia 18 de maio, data marcada para a audiência no Juizado do Torcedor.
— Eu sei que eu estou errado, eu não deveria ter brigado dentro do estádio. O que me incomoda é eu ter saído de lá como o agressor, sendo que teve mais gente envolvida na confusão. E eles saíram ilesos — lamenta Andrey.
No mesmo dia, Andrey dividiu os bancos do espaço com outros três torcedores que chegaram meia hora antes do jogo entre Grêmio e Lajeadense. Os outros dois gremistas que deveriam estar no local não apareceram: um deles justificou a ausência na Justiça e o outro não cumpriu a pena no dia.
— Dá um arrependimento, porque tu acaba tendo que cumprir uma pena e tu se sente um marginal, muito também pela sociedade que te julga desse jeito. Isso faz a gente pensar e acaba batendo um arrependimento. É muito ruim ficar aqui — disse um gremista de 21 anos que não quis se identificar.
Na delegacia de Guaíba, um torcedor acusado de atirar uma pedra em um PM, durante jogo na Arena, tem que se apresentar no local durante todos os jogos do Grêmio. Segundo ele, que diz estar sendo injustiçado, o constrangimento perante amigos e família é o maior problema.
— Vergonha, vergonha e vergonha para um pai de família — lamenta o torcedor.
* Confira a tabela com a situação de cada um dos torcedores gaúchos que atualmente estão impedidos de entrar nos estádios:
A falta de estrutura
Em algumas delegacias da Região Metropolitana, a falta de estrutura põe em xeque a fiscalização das autoridades. Em São Leopoldo, soma-se a isto a rivalidade entre gangues que se formaram a partir de torcidas identificadas com cada um dos dois clubes da dupla Gre-Nal. Com menos estrutura que na Capital, a DPPA recebe praticamente o mesmo número de torcedores que devem se apresentar na 2ª DPPA de Porto Alegre, no Palácio da Polícia. Os nove torcedores que devem se apresentar na cidade do Vale do Sinos afirmaram que há provocações entre rivais, mulheres ficam junto com homens, que o local é uma espécie de corredor entre as celas e o acesso por onde os presos chegam com os PMs.
Além disso, em alguns dias fica só um agente para atender aos flagrantes com detidos, fazer ocorrências para pessoas em geral, atender telefones e fiscalizar os torcedores. Resultado, já ocorreram saídas e chegadas fora do horário, um torcedor afirmou que já ficou do lado de fora da delegacia e alguns, devido a estas condições, desistiram de se apresentar…
— Aí eu não cumpri, cumpri seis dos dez jogos e agora vou ter… Não sei como vai ficar, né. Não entraram em contato comigo na hora, mas agora sim, recebi intimação — diz um torcedor gremista do Vale do Sinos.
Em Viamão, o mesmo problema de falta de espaço e pessoal para fiscalizar. Um torcedor colorado, que não quis gravar entrevista, contou que fica em um banco no único espaço disponível na DPPA, mas quando chegam presos ou outras pessoas para registrar ocorrência, acaba ficando do lado de fora do prédio. Em Gravataí, um torcedor gremista, mesmo sendo negro, cumpre medida judicial na delegacia por atos racistas contra o goleiro Aranha dos Santos. Segundo ele, não é um ambiente hostil pelo fato de ser bem tratado pelos policiais, mas desagradável por que fica em meio a algemados que passam por ele a todo momento…
— É, isso aí é uma coisa, se o cara fosse um marginal, matasse, roubasse, mas é por uma coisa simples assim, não tem, eu… Como se diz, não ofereço perigo nenhum, nunca briguei com ninguém, agora tá aqui quando tem outros que fizeram coisas muito mais grave na rua — diz o gremista.
O que dizem as autoridades
* Delegado Heliomar Franco, titular da regional de São Leopoldo
— As delegacias não foram preparadas estruturalmente para isso, apesar de apoiarmos e de ser um projeto importante para coibir a violência nos estádios. No entanto, o próprio determinador da medida, juiz ou promotor, poderia acompanhar online o comparecimento ou não desses indivíduos nas DPs, visualizá-los pelo videomonitoramento de onde estivesse, até mesmo do próprio estádio e poderia acessar o sistema e identificar, olha, o sujeito está lá cumprindo aquela medida e o horário que ele entra e que sai facilmente verificado pela câmera de videomonitoramento. Poderia ter um aporte de verba do Poder Judiciário para construirmos anexos às delegacias para acomodar de forma decente estes torcedores, já que hoje há pouco efetivo para fiscalizar.
* Delegado Márcio Zachello, titular da divisão judiciária e de operações em Porto Alegre
— Nós não temos instalações da forma que gostaríamos que ocorressem, mas nas instalações que eles permanecem pessoas que não estão cumprindo medidas, como testemunhas e policias, também frequentam. Eventualmente, como não dispomos de uma estrutura ideal, os torcedores podem ter contato visual com algum preso que circula conduzido por policial, pois não podemos impedir que isso aconteça.
* Juiz Marco Aurélio Martins Xavier, titular do Juizado do Torcedor e Grandes Eventos
— Dentro de situações pontuais que a gente recebe de problemas na fiscalização, a nossa ideia é sempre buscar uma ampliação desse sistema de fiscalização, de modo que tenhamos condições de mitigar essas dificuldades institucionais que a Polícia Civil tem para colher os torcedores fiscalizados. O caminho agora é tentar um apoio da própria Brigada Militar, de modo que possamos dividir essas dificuldades, principalmente naqueles locais em que haja uma demanda maior.
*Confira a tabela com o histórico de um ano dos torcedores impedidos de ingressar em estádios no Rio Grande do Sul:
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Um tumulto nas arquibancadas, uma briga generalizada, o lançamento de objetos em campo ou uma agressão física ou verbal. Esses são crimes previstos no Estatuto do Torcedor que podem afastá-los dos estádios caso forem cometidos dentro ou fora de campo. Atualmente, 41 torcedores estão impedidos de frequentar jogos da dupla Gre-Nal por terem infringido as regras. Por determinação da Justiça, 25 deles são obrigados a se apresentarem em delegacias do Estado durante as partidas. No entanto, hoje, de cada dez impedidos, quatro não estão comparecendo nas DPs. As informações são do blog Caso de Polícia, da Rádio Gaúcha.
A reportagem da Rádio Gaúcha percorreu os caminhos dos torcedores impedidos de frequentar os estádios. Durante três rodadas do Campeonato Gaúcho, seis delegacias de Porto Alegre e Região Metropolitana foram visitadas para conferir como é feita a fiscalização e a apresentação dos torcedores que, por desrespeitarem as leis, foram obrigados a ficar fora de jogo. Em um ano do novo Juizado do Torcedor, no Foro Central de Porto Alegre, 106 torcedores já tiveram de cumprir esta medida, quase metade deles por envolvimento em tumultos.
Os caminhos dos impedidos
Quando delitos são cometidos dentro ou fora de estádios, os torcedores envolvidos recebem a pena diretamente no Juizado Especial Criminal (Jecrim) instalado dentro dos estádios. No mesmo dia do fato, eles já são comunicados da restrição quanto ao comparecimento em jogos e o local onde terão que se apresentar durante o tempo determinado na audiência.
À exceção de alguns casos, os torcedores devem se apresentar nas delegacias meia hora antes dos jogos de seu time, ficar todo o período da partida no local, e ser liberado 30 minutos depois do término do jogo. Durante o período analisado pela reportagem, notou-se que a maioria dos torcedores compareceu regularmente nas delegacias: uma média de quatro em cada 10 torcedores não cumprem a determinação da Justiça no Rio Grande do Sul.
Caso o torcedor falte e não justifique a ausência, ele está sujeito ao monitoramento eletrônico. Oito colorados e dois gremistas estão usando tornozeleiras como garantia de que ficarão afastados dos estádios. Em último recurso, o torcedor pode ser preso preventivamente.
A rotina nas delegacias
— Geralmente, eu trago meu radinho e fico escutando o jogo do Inter esperando acabar o tempo. Acabou o jogo, eu espero mais uma hora e depois vou embora. É muito entediante, mas não tem o que fazer: a gente tem que pagar o preço.
A declaração é de Andrey Anderson da Costa Chaves, determinado a se apresentar na 2ª Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento de Porto Alegre em todos os jogos do Internacional. Sem televisão, longe do estádio e ao lado da namorada, o torcedor colorado aguardava, em uma sala espaçosa e fria, o término da partida entre Internacional e Veranópolis, realizada no dia 22 de março.
Andrey se envolveu em uma briga nas arquibancadas do Beira-Rio durante o jogo contra o Emelec, válido pela Copa Libertadores da América deste ano. O colorado está impedido de frequentar as partidas do clube até o dia 18 de maio, data marcada para a audiência no Juizado do Torcedor.
— Eu sei que eu estou errado, eu não deveria ter brigado dentro do estádio. O que me incomoda é eu ter saído de lá como o agressor, sendo que teve mais gente envolvida na confusão. E eles saíram ilesos — lamenta Andrey.
No mesmo dia, Andrey dividiu os bancos do espaço com outros três torcedores que chegaram meia hora antes do jogo entre Grêmio e Lajeadense. Os outros dois gremistas que deveriam estar no local não apareceram: um deles justificou a ausência na Justiça e o outro não cumpriu a pena no dia.
— Dá um arrependimento, porque tu acaba tendo que cumprir uma pena e tu se sente um marginal, muito também pela sociedade que te julga desse jeito. Isso faz a gente pensar e acaba batendo um arrependimento. É muito ruim ficar aqui — disse um gremista de 21 anos que não quis se identificar.
Na delegacia de Guaíba, um torcedor acusado de atirar uma pedra em um PM, durante jogo na Arena, tem que se apresentar no local durante todos os jogos do Grêmio. Segundo ele, que diz estar sendo injustiçado, o constrangimento perante amigos e família é o maior problema.
— Vergonha, vergonha e vergonha para um pai de família — lamenta o torcedor.
* Confira a tabela com a situação de cada um dos torcedores gaúchos que atualmente estão impedidos de entrar nos estádios:
A falta de estrutura
Em algumas delegacias da Região Metropolitana, a falta de estrutura põe em xeque a fiscalização das autoridades. Em São Leopoldo, soma-se a isto a rivalidade entre gangues que se formaram a partir de torcidas identificadas com cada um dos dois clubes da dupla Gre-Nal. Com menos estrutura que na Capital, a DPPA recebe praticamente o mesmo número de torcedores que devem se apresentar na 2ª DPPA de Porto Alegre, no Palácio da Polícia. Os nove torcedores que devem se apresentar na cidade do Vale do Sinos afirmaram que há provocações entre rivais, mulheres ficam junto com homens, que o local é uma espécie de corredor entre as celas e o acesso por onde os presos chegam com os PMs.
Além disso, em alguns dias fica só um agente para atender aos flagrantes com detidos, fazer ocorrências para pessoas em geral, atender telefones e fiscalizar os torcedores. Resultado, já ocorreram saídas e chegadas fora do horário, um torcedor afirmou que já ficou do lado de fora da delegacia e alguns, devido a estas condições, desistiram de se apresentar…
— Aí eu não cumpri, cumpri seis dos dez jogos e agora vou ter… Não sei como vai ficar, né. Não entraram em contato comigo na hora, mas agora sim, recebi intimação — diz um torcedor gremista do Vale do Sinos.
Em Viamão, o mesmo problema de falta de espaço e pessoal para fiscalizar. Um torcedor colorado, que não quis gravar entrevista, contou que fica em um banco no único espaço disponível na DPPA, mas quando chegam presos ou outras pessoas para registrar ocorrência, acaba ficando do lado de fora do prédio. Em Gravataí, um torcedor gremista, mesmo sendo negro, cumpre medida judicial na delegacia por atos racistas contra o goleiro Aranha dos Santos. Segundo ele, não é um ambiente hostil pelo fato de ser bem tratado pelos policiais, mas desagradável por que fica em meio a algemados que passam por ele a todo momento…
— É, isso aí é uma coisa, se o cara fosse um marginal, matasse, roubasse, mas é por uma coisa simples assim, não tem, eu… Como se diz, não ofereço perigo nenhum, nunca briguei com ninguém, agora tá aqui quando tem outros que fizeram coisas muito mais grave na rua — diz o gremista.
O que dizem as autoridades
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— As delegacias não foram preparadas estruturalmente para isso, apesar de apoiarmos e de ser um projeto importante para coibir a violência nos estádios. No entanto, o próprio determinador da medida, juiz ou promotor, poderia acompanhar online o comparecimento ou não desses indivíduos nas DPs, visualizá-los pelo videomonitoramento de onde estivesse, até mesmo do próprio estádio e poderia acessar o sistema e identificar, olha, o sujeito está lá cumprindo aquela medida e o horário que ele entra e que sai facilmente verificado pela câmera de videomonitoramento. Poderia ter um aporte de verba do Poder Judiciário para construirmos anexos às delegacias para acomodar de forma decente estes torcedores, já que hoje há pouco efetivo para fiscalizar.
* Delegado Márcio Zachello, titular da divisão judiciária e de operações em Porto Alegre
— Nós não temos instalações da forma que gostaríamos que ocorressem, mas nas instalações que eles permanecem pessoas que não estão cumprindo medidas, como testemunhas e policias, também frequentam. Eventualmente, como não dispomos de uma estrutura ideal, os torcedores podem ter contato visual com algum preso que circula conduzido por policial, pois não podemos impedir que isso aconteça.
* Juiz Marco Aurélio Martins Xavier, titular do Juizado do Torcedor e Grandes Eventos
— Dentro de situações pontuais que a gente recebe de problemas na fiscalização, a nossa ideia é sempre buscar uma ampliação desse sistema de fiscalização, de modo que tenhamos condições de mitigar essas dificuldades institucionais que a Polícia Civil tem para colher os torcedores fiscalizados. O caminho agora é tentar um apoio da própria Brigada Militar, de modo que possamos dividir essas dificuldades, principalmente naqueles locais em que haja uma demanda maior.
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