Joia 2015: em nome do pai e à la R10, Lincoln vira o "diamante" de Felipão

Meia de 16 anos firma primeiro contrato profissional após infância difícil e perda do pai, que compôs canção que o embala: "Ele disse que posso ser o melhor do mundo"


Fonte: Globoesporte.com

Joia 2015: em nome do pai e à la R10, Lincoln vira o diamante de Felipão
Atreva-se a tirar a bola do pé esquerdo de Lincoln. É missão difícil até para os profissionais, embora ele tenha apenas 16 anos completados em novembro. Impossível mesmo, no entanto, é arrancar do garoto franzino e ligeiro o sonho de ganhar o mundo com a tal bola no pé. Nada o faz parar de correr, chutar, treinar e sonhar. Nem a morte do pai. A curta história de vida do jovem humilde e de nome pomposo mostra que impressionar Felipão num único treino pode ser quase brincadeira de criança. Criança essa que Lincoln ainda poderia ser. Mas não é. Tornou-se esperança da família e do Grêmio. A joia reluzente da Arena para 2015.

Lincoln Henrique dos Santos tem uma vida dedicada ao Grêmio. Começou nas escolinhas alojadas no bairro Cristal, com vista inspiradora para o Guaíba, com oito anos. Aos dez, passou a frequentar os times da base. Em 2011, com 11 anos, sofreu um baque que poderia ter lhe tirado o norte. O pai Natalício morreu. Um dos treinadores da base, Luiz Gabardo Júnior ficou sabendo da triste notícia e só não ficou mais abatido porque a surpresa de avistar Lincoln indo treinar o deixara estupefato.

- Bah, cara, tu conseguiste treinar? - questionou Gabardo, que só seria treinador de Lincoln três anos mais tarde.

- Fazer o quê?
"Pode ser o melhor do mundo", disse o pai
A resposta foi curta, mas não foi grossa. Educação não parece faltar a Lincoln, que faz da sua família uma fortaleza. E uma escola. Tem seis irmãos, sendo três homens. Assim como o pai, taxista e trabalhador na construção civil, todos jogaram ou jogam futebol, em clubes ou de forma amadora. Um dos irmãos, lateral e volante Leonardo Rincón, 18 anos, está na base do Corinthians. Sobram, portanto, dicas e conselhos. Por isso, basta bater um papo rápido com o jovem para ver que sua maturidade transcende os 16 anos.

Assim como a voz. É cavernosa, muito grave. Se Felipão não tivesse se apercebido de seu talento, poderia facilmente cantar sambas Brasil afora. Até porque o repertório já tem. Antes de morrer, seu pai compunha uma música especial para a família. Ela nunca fora gravada, mas Lincoln leva letra e melodia na cabeça do que chama de “hino da família”. Se um dias fizer três gols num jogo, por que não estreá-la em nível nacional com pedido no Fantástico? Pode ser um bom começo. O fim, ele planeja mais grandioso. Lincoln quer honrar o nome ousado e a memória do pai e conquistar o mundo.

- Ele falou para mim que nasci para ser vencedor. Das poucas vezes que me viu jogar, disse que eu poderia ser o melhor do mundo. Se Deus quiser, um dia vou honrar essa promessa que eu fiz para o meu pai - define, entre a saudade e a ambição.



Felipão o chamou de "diamante negro"
O primeiro passo para ganhar o planeta foi dado em 18 de agosto. Longe do glamour que paira sobre seus ídolos Ronaldinho e Messi. Era um treino de praxe no velho gramado suplementar do Olímpico. Os garotos do sub-17 desafiariam os reservas que não atuaram na partida anterior do Grêmio, pelo Brasileirão. Lincoln foi tão bem que, no segundo tempo da atividade, foi puxado para a equipe profissional reserva. Destacou-se ainda mais.

Assim que terminou o treino, Felipão voltou-se para Luiz Gabardo Júnior, ávido por aproveitar o moleque. Ouviu uma resposta angustiante. Lincoln ainda tinha 15 anos e sequer firmara contrato profissional. Precisava completar 16 para tal.

- Mas quando ele faz aniversário? - insistiu Scolari, que o definiria como "diamante negro".
Faltavam três meses ainda. Imediatamente a cúpula gremista tratou de “esconder” a joia descoberta. Vitrine excessiva naquele momento poderia custar a vida longa ao projeto de craque no Grêmio.

O zelo deu resultado e, ao celebrar 16 anos em 7 de novembro, Lincoln assinou seu primeiro contrato profissional, por três anos. Garantiu, de quebra, uma vaga no grupo que fará a pré-temporada em janeiro. Sem contar a festa em casa. A notícia da renovação foi comemorada com espumante e explosão de alegria digna de um gol em final de Copa do Mundo.

- Coloquei na cabeça que era a oportunidade da minha vida. Não sabia, podia ser o último treino, não haveria mais... Fui sem medo de errar. A partir dali, a minha vida mudou.
A mão de Sonda muda tudo


Na verdade, a mudança havia começado um pouco antes. E fora do campo. A DIS, grupo de investidores chefiado pelo influente empresário Delcir Sonda, passou a tomar conta dos negócios do garoto desde os seus 14 anos. Em 2012, a mãe Clode foi surpreendida com o rasante de um carro importado na sua antiga e humilde morada no bairro Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre. Eram os emissários de Sonda, dispostos a cuidar do jovem.

Mais ligado ao Inter, por envolvimento nas negociações de Aránguiz, Nilmar, entre outros, Sonda virou mais do que um agente. Tudo o que Lincoln precisar o empresário não poupa esforço e dinheiro para atender. Assim foram com suas roupas, o celular da moda até aquisições mais relevantes, como o apartamento próximo ao Olímpico e, atualmente, uma casa para a mãe no bairro Guarujá.

Quem acompanha a carreira do prodígio com marcação cerrada é o irmão mais velho. Natalício Natalício Rick Davis, 30 anos, foi quem atendeu a ligação do GloboEsporte.com. Antes de passar o telefone a Lincoln, que descansa neste final de ano no litoral gaúcho, em casa providenciada por Sonda, alerta que não gostaria de ver em pauta assuntos como contratos, salários, valores (nos últimos dias, assinou contrato com a multinacional Nike).
Na seleção: polêmica com Gallo e gols

O negócio de Lincoln é, mesmo, jogar bola. Houve uma vez em que a sua qualidade, no entanto, ficou em segundo plano. Em 2013, teve problemas com o coordenador da base da CBF, Alexandre Gallo, descontente por seu corte de cabelo, que tinha a inscrição “L10” raspada na cabeça.


O tempo e uma boa máquina zero foram suficientes para ele retornar com tudo à seleção. Em sua última convocação à sub-17, anotou seis vezes em sete partidas. Apesar dos gols em profusão, Luiz Gabardo Júnior define Lincoln como um meia canhoto clássico. Um armador de jogadas, com vocação maior para deixar os atacantes na cara do gol.

- É um meia-atacante, como a última ponta de um losango no meio-campo. Tem um bom biotipo para sua categoria. Aos poucos, amadureceu bastante seu jogo. Era um peladeiro, muito bom, com talento. Agora, sabe jogar o jogo. Ficou mais forte, ganhou mais massa muscular... - diz Gabardo, que o conhece desde os dez anos e se derrete mesmo ao falar da bola parada: - Bate falta que é brincadeira. Dos que passou pelas minhas mãos, é um dos mais diferenciados que vi.

- Me inspiro muito no Ronaldinho nas cobranças de falta - define o garoto.

Lincoln não descuida dos estudos e mantém a linha compenetrada na escola estadual que frequenta em Porto Alegre. Também começou a fazer aulas de inglês e espanhol. O tom extrovertido surge apenas nas vestimentas largas, nas correntes e brincos espessos e no boné de aba reta que costuma esconder seus olhos fundos. Mas não consegue ocultar a felicidade de quem joga pelo pai, pelo futuro e, principalmente, por vocação. Não é a toa que está cada vez mais difícil tirar a bola de seu valioso pé esquerdo.

> Confira a letra da música feito pelo pai de Lincoln:
Por toda a minha vida sei que iria me arrepender
Se falasse aquele dia do encontro que tinha com você
Nem mesmo a chuva que caía na cidade me tirou
A vontade de me encontrar com você, é…

Mas a chuva que caía eu nem sentia
Para mim, parecia orvalho
Era dia de seu aniversário
Mas eu estive pensando
E cheguei a ficar descontente
Pois não tinha na mão um presente
Para entregar a você

Mas quanto eu te encontrei
Radiante de felicidade
Compreendi que na verdade a nossa presença
Era o maior presente para você



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