Era início de setembro e o Grêmio anunciava Renato Gaúcho como novo treinador. Sua chegada foi oficializada no fim da semana, mas o trabalho começaria mesmo na segunda-feira seguinte. E nos dias que antecederam a apresentação, Portaluppi fez o que costuma fazer: jogou futevôlei. Por não ser atleta, a prática não altera em nada o rendimento do treinador gremista, que é um incentivador da atividade. Mas a relação entre futevôlei e futebol já gerou polêmica na Arena.
Substituto de Renato no ano passado, Tiago Nunes disse, em entrevista ao jornalista Duda Garbi em seu canal no YouTube, que jogadores do grupo se acostumaram a praticar o esporte para completar o treinamento proposto pela comissão técnica.
"O Grêmio teve um problema seríssimo de preparação física. O Reverson [Pimentel, preparador físico], quando cheguei, já estava tentando melhorar. Os caras jogavam futevôlei fora do horário de treino para compensar o que não treinavam. Tivemos de acabar com algumas coisas ali dentro que eram surreais. O futebol não estava tão profissional como deveria ser", afirmou o treinador.
A frase foi prontamente respondida pelo presidente Romildo Bolzan Júnior, que negou. "Outro dia vi entrevista do treinador [Tiago Nunes] dizendo que havia recomendação de suplementação física no futevôlei. Não tem nada disso. Os caras fazem isso por esporte deles, hobby deles", afirmou o mandatário em live no YouTube com o jornalista César Cidade Dias.
Assumido praticante de futevôlei, o centroavante Diego Souza também se manifestou. "Primeiramente, acho que o futebol brasileiro é compensado com futevôlei, porque todos os atletas praticam. Isso é um hobby, tem gente que gosta de pescar, pilotar carro, soltar pipa. E as pessoas estão confundindo as coisas, o insucesso entra na cabeça das pessoas de uma maneira diferente. Ele [Tiago Nunes] não pode falar isso, compromete profissionais de muita capacidade. É uma coisa que fica chato", disse em entrevista coletiva.
Mas o futevôlei prejudica ou ajuda? Pode fazer parte da preparação de um grupo? O que dizem praticantes profissionais? É isso que a reportagem do UOL Esporte se propõe a entender.
Treinamento para o corpo e a mente
O futevôlei é realidade tanto dentro quanto fora dos clubes de futebol. Várias equipes mantêm espaços em seus centros de treinamento para prática do esporte de areia. E isso é visto como positivo por preparadores.
"O futevôlei complementa o trabalho. O futebol contemporâneo tem três componentes fundamentais: competitividade, verticalidade e interatividade. Hoje há uma competitividade muito grande, diferente do passado, se luta muito pela bola, é preciso de verticalidade. Mas no componente da interatividade, o futevôlei acrescenta muito. É a capacidade de dominar a bola em diferentes situações, a habilidade, a capacidade perceptiva. Ele desenvolve isso", disse o professor Élio Carravetta, que trabalhou 25 anos em diversas áreas de preparação física e recuperação de jogadores no Internacional.
"Depende muito da proposta da comissão técnica, mas pode até ser incluído num processo de condicionamento físico de determinado jogador. E há um componente lúdico. O jogador vive num ambiente de muita competição, produz muita adrenalina, o que é negativo. O futevôlei traz a dopamina, o prazer, isso é muito importante. Com programação, planejamento, dependendo dos critérios da comissão técnica, pode ser incluído para abstrair as normas rígidas que o futebol passa", completou Carravetta.
Preparador físico campeão da Copa do Brasil, da Libertadores, e também de títulos Estaduais pelo Grêmio, com passagens por Bahia e Al-Wasl, do Emirados Árabes Unidos, Rogério Dias trabalhou com Renato Gaúcho no clube do Sul. O profissional entende que o futevôlei adaptado ao campo pode ser utilizado em dias de recuperação do grupo.
"Eu costumo utilizar em dias de recuperativo, apenas nesses dias, como uma variante, digamos assim, ao trabalho de recuperação. Às vezes 24h depois do jogo, ou até mesmo 48h depois da partida dependendo da construção com a comissão técnica e dos resultados das avaliações dos atletas. Nesses dias adaptamos o tamanho do campo, reduzido, e com tempo de trabalho controlado para atender o objetivo de realizar uma recuperação ativa dos jogadores, aproveitando que eles fazem com caráter mais lúdico e é uma atividade que culturalmente os jogadores gostam de realizar", explicou.
Por outro lado, o futevôlei não deve ser praticado em excesso, principalmente em turnos inversos ao dos trabalhos no clube para evitar sobrecarga. "É como tudo na vida, o excesso é ruim. É que nem tomar uma cerveja, um vinho, não tem problema desde que não cometa excesso. É bom para aliviar a pressão, mas se for praticado em excesso pode gerar sobrecarga e desgaste. É preciso tomar cuidado. Mas não tem problema algum praticar", acrescentou Carravetta.
Sampaoli queria levar ao Santos, e Gabigol pratica
Ex-técnico de Atlético-MG e Santos, o argentino Jorge Sampaoli praticava futevôlei quando trabalhava no Brasil. Na época em que estava no Peixe, ele conheceu o professor Rodrigo Malla, começou a participar das aulas e queria utilizar o esporte para aprimorar fundamentos técnicos em seus jogadores.
"É um cara com uma humildade... Ele é sensacional. Ele ficou primeiro observando, depois de um tempo se aproximou, perguntou quanto era a aula e fez questão de treinar em grupo. Ele me explicou que vendo outras pessoas também praticando ele poderia entender as dificuldades que cada um teria", contou Rodrigo, que é profissional de futevôlei e educador físico.
"Ele me procurou porque viu no futevôlei características que poderiam ser utilizadas no futebol. Ele entendia que um zagueiro, um centroavante, poderiam trabalhar cabeceio, tempo de bola, direcionamento de uma bola afastada e conclusão. Ele me fez uma proposta para trabalhar com zagueiros e centroavantes esta questão do tempo de bola no Santos, mas por causa dos horários, não pude aceitar", completou.
"O futevôlei aprimora vários fundamentos. Pé, cabeça, ombro, coxa. Além disso, mantém os jogadores em forma durante o período de férias. Antigamente o jogador se apresentava cinco, seis quilos acima do peso. Hoje não. Muitos deles têm quadras em casa, frequentam centros de treinamento de futevôlei. Serve de complemento. Acho que fazer parte do treinamento, não, mas como regenerativo. Vários fundamentos são utilizados com frequência. O Romário era praticante, e se você vai notar o gol dele contra a Suécia na Copa do Mundo de 1994 [de cabeça, na semifinal], parece que ele para no ar, aquilo ali é movimento do futevôlei", acrescentou.
São muitos jogadores que praticam futevôlei. Neymar, por exemplo, utiliza o esporte para atividades recreativas e tem uma quadra em sua casa. Gabriel Barbosa, do Flamengo, um dos mais destacados atletas do futebol nacional, treinou com Rodrigo para buscar melhorar sua performance no campo.
"O Gabigol é um goleador, mas fez poucos gols de cabeça na carreira. A maioria com os pés. A procura dele no futevôlei foi porque queria melhorar o tempo de bola para saltar e cabecear. Além de manter o condicionamento físico. Ele é um cara muito focado, correto, com horários, com disciplina", contou Rodrigo.
Quem viveu os dois lados
Fernando Lopes, conhecido como Fe Lopes no mundo do futevôlei, foi atleta de futebol por 13 anos, com passagens por Palmeiras, Guarani, Paulista, Coritiba, entre outros clubes. Hoje é técnico de futevôlei, dono de arena e campeonato em São Paulo. Segundo ele, o futevôlei contribui muito com o rendimento de atletas de futebol.
"O futevôlei desenvolve fundamentos como controle de bola, além de a movimentação na areia ajudar a evitar lesões. É um esporte muito técnico que amplifica a qualidade de passe e finalização dos atletas", opinou.
"Acho que pode complementar um treinamento de futebol. Eu sou fissurado pela alta performance e vejo que o futevôlei no futebol entra como parte recreativa, aquecimento, ativação para o futebol. Acho que é uma parte mais de lazer. Dependendo da situação, dá para colocar até para soltar os atletas na parte mental. A vida do profissional de futebol é muito intensa, tem muita cobrança, um lado mental muito forte. O futevôlei dá uma quebrada nisso", acrescentou.
"O futebol se diferencia de quase todas as modalidades esportivas porque ele ainda é artístico. Você toma as decisões mais variadas, para as quais não tem como ser preparado, elas são espontâneas, e precisa de mobilidade, habilidade num processo criativo que nunca se repete. O futevôlei te proporciona isso, criatividade e um ambiente diferente e positivo", definiu o professor Carravetta.
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Substituto de Renato no ano passado, Tiago Nunes disse, em entrevista ao jornalista Duda Garbi em seu canal no YouTube, que jogadores do grupo se acostumaram a praticar o esporte para completar o treinamento proposto pela comissão técnica.
"O Grêmio teve um problema seríssimo de preparação física. O Reverson [Pimentel, preparador físico], quando cheguei, já estava tentando melhorar. Os caras jogavam futevôlei fora do horário de treino para compensar o que não treinavam. Tivemos de acabar com algumas coisas ali dentro que eram surreais. O futebol não estava tão profissional como deveria ser", afirmou o treinador.
A frase foi prontamente respondida pelo presidente Romildo Bolzan Júnior, que negou. "Outro dia vi entrevista do treinador [Tiago Nunes] dizendo que havia recomendação de suplementação física no futevôlei. Não tem nada disso. Os caras fazem isso por esporte deles, hobby deles", afirmou o mandatário em live no YouTube com o jornalista César Cidade Dias.
Assumido praticante de futevôlei, o centroavante Diego Souza também se manifestou. "Primeiramente, acho que o futebol brasileiro é compensado com futevôlei, porque todos os atletas praticam. Isso é um hobby, tem gente que gosta de pescar, pilotar carro, soltar pipa. E as pessoas estão confundindo as coisas, o insucesso entra na cabeça das pessoas de uma maneira diferente. Ele [Tiago Nunes] não pode falar isso, compromete profissionais de muita capacidade. É uma coisa que fica chato", disse em entrevista coletiva.
Mas o futevôlei prejudica ou ajuda? Pode fazer parte da preparação de um grupo? O que dizem praticantes profissionais? É isso que a reportagem do UOL Esporte se propõe a entender.
Treinamento para o corpo e a mente
O futevôlei é realidade tanto dentro quanto fora dos clubes de futebol. Várias equipes mantêm espaços em seus centros de treinamento para prática do esporte de areia. E isso é visto como positivo por preparadores.
"O futevôlei complementa o trabalho. O futebol contemporâneo tem três componentes fundamentais: competitividade, verticalidade e interatividade. Hoje há uma competitividade muito grande, diferente do passado, se luta muito pela bola, é preciso de verticalidade. Mas no componente da interatividade, o futevôlei acrescenta muito. É a capacidade de dominar a bola em diferentes situações, a habilidade, a capacidade perceptiva. Ele desenvolve isso", disse o professor Élio Carravetta, que trabalhou 25 anos em diversas áreas de preparação física e recuperação de jogadores no Internacional.
"Depende muito da proposta da comissão técnica, mas pode até ser incluído num processo de condicionamento físico de determinado jogador. E há um componente lúdico. O jogador vive num ambiente de muita competição, produz muita adrenalina, o que é negativo. O futevôlei traz a dopamina, o prazer, isso é muito importante. Com programação, planejamento, dependendo dos critérios da comissão técnica, pode ser incluído para abstrair as normas rígidas que o futebol passa", completou Carravetta.
Preparador físico campeão da Copa do Brasil, da Libertadores, e também de títulos Estaduais pelo Grêmio, com passagens por Bahia e Al-Wasl, do Emirados Árabes Unidos, Rogério Dias trabalhou com Renato Gaúcho no clube do Sul. O profissional entende que o futevôlei adaptado ao campo pode ser utilizado em dias de recuperação do grupo.
"Eu costumo utilizar em dias de recuperativo, apenas nesses dias, como uma variante, digamos assim, ao trabalho de recuperação. Às vezes 24h depois do jogo, ou até mesmo 48h depois da partida dependendo da construção com a comissão técnica e dos resultados das avaliações dos atletas. Nesses dias adaptamos o tamanho do campo, reduzido, e com tempo de trabalho controlado para atender o objetivo de realizar uma recuperação ativa dos jogadores, aproveitando que eles fazem com caráter mais lúdico e é uma atividade que culturalmente os jogadores gostam de realizar", explicou.
Por outro lado, o futevôlei não deve ser praticado em excesso, principalmente em turnos inversos ao dos trabalhos no clube para evitar sobrecarga. "É como tudo na vida, o excesso é ruim. É que nem tomar uma cerveja, um vinho, não tem problema desde que não cometa excesso. É bom para aliviar a pressão, mas se for praticado em excesso pode gerar sobrecarga e desgaste. É preciso tomar cuidado. Mas não tem problema algum praticar", acrescentou Carravetta.
Sampaoli queria levar ao Santos, e Gabigol pratica
Ex-técnico de Atlético-MG e Santos, o argentino Jorge Sampaoli praticava futevôlei quando trabalhava no Brasil. Na época em que estava no Peixe, ele conheceu o professor Rodrigo Malla, começou a participar das aulas e queria utilizar o esporte para aprimorar fundamentos técnicos em seus jogadores.
"É um cara com uma humildade... Ele é sensacional. Ele ficou primeiro observando, depois de um tempo se aproximou, perguntou quanto era a aula e fez questão de treinar em grupo. Ele me explicou que vendo outras pessoas também praticando ele poderia entender as dificuldades que cada um teria", contou Rodrigo, que é profissional de futevôlei e educador físico.
"Ele me procurou porque viu no futevôlei características que poderiam ser utilizadas no futebol. Ele entendia que um zagueiro, um centroavante, poderiam trabalhar cabeceio, tempo de bola, direcionamento de uma bola afastada e conclusão. Ele me fez uma proposta para trabalhar com zagueiros e centroavantes esta questão do tempo de bola no Santos, mas por causa dos horários, não pude aceitar", completou.
"O futevôlei aprimora vários fundamentos. Pé, cabeça, ombro, coxa. Além disso, mantém os jogadores em forma durante o período de férias. Antigamente o jogador se apresentava cinco, seis quilos acima do peso. Hoje não. Muitos deles têm quadras em casa, frequentam centros de treinamento de futevôlei. Serve de complemento. Acho que fazer parte do treinamento, não, mas como regenerativo. Vários fundamentos são utilizados com frequência. O Romário era praticante, e se você vai notar o gol dele contra a Suécia na Copa do Mundo de 1994 [de cabeça, na semifinal], parece que ele para no ar, aquilo ali é movimento do futevôlei", acrescentou.
São muitos jogadores que praticam futevôlei. Neymar, por exemplo, utiliza o esporte para atividades recreativas e tem uma quadra em sua casa. Gabriel Barbosa, do Flamengo, um dos mais destacados atletas do futebol nacional, treinou com Rodrigo para buscar melhorar sua performance no campo.
"O Gabigol é um goleador, mas fez poucos gols de cabeça na carreira. A maioria com os pés. A procura dele no futevôlei foi porque queria melhorar o tempo de bola para saltar e cabecear. Além de manter o condicionamento físico. Ele é um cara muito focado, correto, com horários, com disciplina", contou Rodrigo.
Quem viveu os dois lados
Fernando Lopes, conhecido como Fe Lopes no mundo do futevôlei, foi atleta de futebol por 13 anos, com passagens por Palmeiras, Guarani, Paulista, Coritiba, entre outros clubes. Hoje é técnico de futevôlei, dono de arena e campeonato em São Paulo. Segundo ele, o futevôlei contribui muito com o rendimento de atletas de futebol.
"O futevôlei desenvolve fundamentos como controle de bola, além de a movimentação na areia ajudar a evitar lesões. É um esporte muito técnico que amplifica a qualidade de passe e finalização dos atletas", opinou.
"Acho que pode complementar um treinamento de futebol. Eu sou fissurado pela alta performance e vejo que o futevôlei no futebol entra como parte recreativa, aquecimento, ativação para o futebol. Acho que é uma parte mais de lazer. Dependendo da situação, dá para colocar até para soltar os atletas na parte mental. A vida do profissional de futebol é muito intensa, tem muita cobrança, um lado mental muito forte. O futevôlei dá uma quebrada nisso", acrescentou.
"O futebol se diferencia de quase todas as modalidades esportivas porque ele ainda é artístico. Você toma as decisões mais variadas, para as quais não tem como ser preparado, elas são espontâneas, e precisa de mobilidade, habilidade num processo criativo que nunca se repete. O futevôlei te proporciona isso, criatividade e um ambiente diferente e positivo", definiu o professor Carravetta.
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